domingo, 30 de maio de 2010

Fios brancos e rugas por um novo amanhã*

Em Laranjeiras, há praticamente vinte e cinco anos eu nascia. Tal acontecimento foi antecipado em algumas semanas, em virtude de minha genitora ficar presa no elevador horas antes. Era o ano de 1985 e o país onde cresci e de onde nunca tive a oportunidade de sair até o presente momento começava a engatinhar e preparar seus primeiros passos para apagar as marcas de um período conturbado de ditadura aberta controlada pelos militares e pelo empresariado.

Era retirado de um útero quente, úmido, que me alimentava a todo tempo, até uma equipe de profissionais com roupas brancas utilizar uma tesoura, romper o cordão umbilical, me escutar chorar/respirar e sorrir para informar que nascia um menino. Já estava escolhido o nome: Gabriel – homenagem ao avô materno que só conheci por fotos e histórias. É uma fase onde temos raras escolhas e acatamos, porque também enfrentamos eventualmente, os nomes, gostos e vontades, orientados por aqueles que com carinho e amor nos trazem à arena da sociedade. Em suma, parece (e é?) uma grande covardia: retiram-nos do ambiente prazeroso, tranqüilo, equilibrado para nos empurrarem à realidade concreta onde passamos por diversas instituições, lidamos com outros seres humanos que vivenciaram o mesmo processo com características diversas, gozamos do conjunto da natureza para viver e sobreviver e reproduzimos o ciclo ao gerarmos nossos próprios filhos.

Pode não ser a mais importante, mas deve ser a primeira ruptura de nossas vidas, ao mesmo tempo impositiva, libertadora e necessária: a segregação do elo anteriormente estabelecido pelo cordão umbilical. Necessidades, tensões, conflitos, aprendizagens, movimentos, diálogos, carinhos, sentimentos, desejos e mais rupturas... A dialética fica cada vez mais evidente assim como a importância de se aproveitar cada momento da vida, ao passo que a morte caminha não apenas ao nosso lado, mas internamente desde quando estamos no interior de nossas mães e nossas células nascem, crescem, se reproduzem e morrem desde então.

É por isso que nesse aniversário falo dos primeiros fios brancos e das rugas que começam a surgir. Conforme Brecht, em “Aos que virão depois de nós”, são sinais de que não estamos indiferentes, num contexto complexo, contraditório, cruel e capitalista em que comemos e bebemos, já que precisamos sobreviver, sabendo que tantos outros sentem fome, sede, todavia comerão restos e sobras – quando comerão – em meio à abundância existente suficiente para alimentar os bilhões espalhados pela Terra.

É essa a aparência (ou evidência?) de covardia a que me referi anteriormente, mas ao mesmo tempo é essa covardia que precisamos enfrentar e superar, criando e recriando rupturas. Diferentemente do nome, da comida e da roupa durante a infância, agora não só podemos como devemos escolher o que temos a oferecer para a humanidade, qual o roteiro que vamos seguir e se seremos espectadores ou protagonistas diante de um modelo de sociedade que visa nos coisificar ao exigir que sejamos mercadorias. Um modelo em que poucos concentram riquezas e muitos trabalham para poucos lucrarem e concentrarem as tais riquezas. Um modelo que pretende nos alienar daquilo que produzimos, daquilo que somos, daquilo que queremos. Um modelo que exporta barbárie para todos os cantos, que mata nossos filhos, destrói nossos sonhos, acorrenta nossas mentes.

Não sinto medo ou vergonha de apresentar minhas escolhas e explicitar meus projetos e objetivos, que passam necessária e fundamentalmente pela explosão do modelo atual, pela construção e consolidação de novas perspectivas, de novas relações, de novos sentimentos, de novas convicções, de novos horizontes.

Hoje, vinte e cinco anos depois do contexto em que o Brasil se encontrava, os desafios permanecem difíceis e os problemas nos parecem insolúveis. Diante de uma mídia conservadora e hipócrita que fornece respostas simplistas, superficiais, enfadonhas e enganadoras em suas novelas, propagandas e telejornais; diante de um governante do país que cede as mãos, os braços, a ideologia e o poder aos setores latifundiário, financeiro, industrial, enfim à classe dominante, e caminha fielmente ao lado daqueles que exterminaram companheiros e companheiras que impulsionavam as lutas para construir um outro modelo; diante de orientações que exacerbam o individualismo, a naturalização e a manutenção da ordem vigente, meu recado de um auto-feliz aniversário é simples e direto: será construído e erguido um novo amanhã!


*Gabriel Rodrigues Daumas Marques
Necessariamente, orgulhosamente e combativamente Comunista

quarta-feira, 26 de maio de 2010

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Dunga e a Seleção Ah-NÃO: deu Burro*

No início dos anos 1990, era aluno da Escolinha de Futsal do Sport Club Mackenzie, no Méier, com o Professor Nelsinho. Na hora de escolher as camisas, era sempre uma correria, uma imensa disputa pela 11 do Romário e pela 7 do Bebeto. Por fora ficavam a 10 de Raí e a 1 de Taffarel, para os goleiros. Nesse tempo já começava a questionar algumas coisas e nunca participava dessas disputas; geralmente, era o único camisa 8. Camisa 8 do capitão Dunga.

Creio que a Copa do Mundo que mais acompanhei e torci foi a de 1994, assistindo aos jogos na vila onde morava, batucando, gritando, comendo churrasco e suando frio a cada cobrança de pênalti na final contra a Itália. Fomos tetra. Em 1998, a decepção na Final, “recompensada” pelo pentacampeonato quatro anos depois; este, por sua vez, seguido por nova decepção em 2006. Majoritariamente, a busca pelo resultado vem superando a criatividade, o abuso, a molecagem. Também cada vez mais fica evidenciada a íntima relação entre gigantescos investimentos financeiros de patrocinadores e os resultados do futebol.

Não sou daqueles professores de Educação Física que defendem ser o futebol propriedade privada da nossa área e entendo que a busca pelo conhecimento pode acontecer além da Universidade. Certamente muitos ex-jogadores têm mais condições de ser técnicos de futebol do que eu. Todavia, fiquei surpreso com uma ascensão meteórica do capitão do tetra. Seu primeiro cargo: técnico da Seleção mais vezes campeã do mundo! Pareceu-me mais uma das artimanhas maquiavélicas da Confederação Brasileira de Futebol, sob o comando coronelístico – neologismo? – de Ricardo Teixeira e seus asseclas.

O capitão já não é mais o mesmo, nem ocupa o mesmo papel. Assim como, de minha parte, já não é o mesmo sentimento nacionalista, ufanista de não desistir nunca e ficar na torcida de verde e amarelo pelo hexa. É hoje muito mais perceptível a importância desses mega-eventos esportivos para auxiliar o processo de manutenção da ordem estabelecida. Em diversos momentos acompanhamos comemorações de títulos em que jamais tocaremos a taça, enquanto a ideologia e a repressão dominantes, ah, essas sim nos tocam, nos jogam contra a parede, configurando ditaduras, como na década de 1970; governos neoliberais, como nos anos 1990; e agora governos burgueses mascarados de esquerda.

Já pensava em não torcer para o país sede da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016, que constrói estádios, monumentos e faz empresas e bancos lucrarem, ao passo que o desemprego aumenta, crianças passam fome e se prostituem e a barbárie se dissemina. Na terça-feira, enquanto a lista de Dunga era anunciada, lecionava para o 6º ano em Rio das Ostras. Dois alunos, de idade próxima à minha em 1994, vieram me pedir para deixar o rádio ligado na hora da entrevista coletiva. Recordei-me da época que tinha 9 anos e torcer era divertido e fácil. Mas é preciso irmos além do trivial.

As piadas já estão rolando solta. Dunga encampou a campanha contra as drogas: craque nem pensar! Não deu Ganso, nem Pato: deu Burro! Não bastasse a alcunha do técnico, ratifica-se a Seleção Ah-NÃO. Doni? Ah-não! Gomes? Ah-não! Gilberto Silva? Ah-não! Josué? Felipe Melo? Kleberson? Ramires? Ah-não... Uma convocação repleta de jogadores que hoje são reservas em seus clubes, jogadores que, nos tempos atuais, inclusive, saem das terras tupiniquins rumo aos ares europeus. De positivo, deixar o “Imperador” de fora e colocar a forma alotrópica do diamante foi um grande acerto.

Todos somos sim um pouco de técnicos. Talvez por pensar o futebol não apenas como uma competição, mas como uma arte, uma alegria de jogar, de driblar, de fazer gols, de dançar, de comemorar, defenda a seleção menos pragmática e burocrática, que visa apenas o resultado. Por isso gostaria de ver na seleção de hoje aqueles que têm apresentado esse futebol, como Ronaldinho, Ganso e Neymar. No gol, Jefferson está muito melhor que os dois possíveis reservas e ter alguém do Botafogo na Seleção é bem mais interessante.

Pode até ser que o Brasil alcance o hexa, dependendo da correlação de forças e dos interesses políticos presentes atualmente na FIFA. Mas será difícil essa seleção conquistar significativa simpatia e causar alegrias e risos como boas piadas ao longo dos jogos. E eu, hoje? Não me orgulharia de pedir a camisa 8.


*Gabriel Rodrigues Daumas Marques
Anti-FIFA, Anti-CBF e Anti-Burrice

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Foi lá...*

Ao longo desses quase 25 anos de idade, já participei de alguns concursos públicos, principalmente nos últimos anos após concluir o curso de Licenciatura em Educação Física. Em muitos deles, fiquei dentro das vagas; noutros, atingi o necessário para obter aprovação; em apenas um, fiquei reprovado. Independentemente dos resultados, retorno ao ano de 1995, período em que pela única vez efetivamente me preparei para encarar um concurso.

Foram diversos meses, deslocando-me do Méier para a Rua Alzira Brandão, na Tijuca, onde passava três tardes inicialmente e todas as tardes durante o período de férias, com apenas 10 anos de idade. Um intensivo de lições de Português e Matemática: exercícios, contas, expressões, pontuações, redações, leituras... Nunca é demais agradecer a oportunidade oferecida pela querida Dona Hanid, que me recebeu de braços abertos, sabendo das limitações financeiras, e apostou que seria possível concretizar o sonho paulatinamente construído: ser estudante do Colégio Pedro II. Vale destacar também o maciço apoio dos familiares mais próximos – Vó Dulce, além de preparar meu papá, me levava todas as tardes e meu pai me buscava – que chegavam a afirmar que no ano seguinte eu estaria estudando no Engenho Novo. Após obter 7,25 em Matemática – que era meu forte – Português foi mais uma superação: 8,25. Média de 7,75, garantindo o posicionamento entre os 25 primeiros para um total de aproximadamente 70 vagas.

Chegou o ano de 1996. Depois de sair duma escola pequena e privada, era tempo de encarar muros mais altos, professores variados e alunos de diferentes faixas etárias. Estava no segundo ciclo do Ensino Fundamental, na 5ª série. Acostumado com banheiros individuais, após perder corrida para os recém-colegas de sala, entrei subitamente na porta ao lado: era o banheiro feminino! Um micaço logo no primeiro dia de aula. Sapato preto, meias pretas, camisa branca com botões e emblema do CPII para dentro da calça de brim azul marinho: devidamente uniformizado, carregando a caderneta que continha uma breve história da instituição e marcações de carimbos com assiduidade e espaço para as notas. Foram 7 anos da minha vida lá dentro, sem nenhuma advertência e com apenas 2 provas finais em Física.

Saudosismo à parte, posso recordar que...

Foi lá que pela primeira vez votei, para escolher representantes de turma e professores conselheiros.

Foi lá que pela primeira vez escolhi uma chapa para representar o corpo discente – o Grêmio Estudantil.

Foi lá que pela primeira vez participei de uma equipe representativa – o time de basquete do CPII – sim, por pouco tempo, mas fui do time de basquete dirigido pelo Professor Mauro Raso.

Foi lá que terminei um curso técnico em Processamento de Dados – pasmem!

Foi lá que pela primeira vez representei uma turma – gostei tanto que fui pelo menos outras três vezes.

Foi lá que comecei a andar sozinho, de ônibus, pelas ruas cariocas.

Foi lá que tive minhas paqueras e paixões mais inocentes.

Foi lá que decidi participar do Movimento Estudantil, compondo a chapa vencedora do pleito para o Grêmio Estudantil num processo extremamente politizado.

Foi lá que fiz meu primeiro discurso em público.

Foi lá que escrevi meu primeiro texto para um jornal discente.

Foi lá que pela primeira vez fiz parte de um Comando de Greve.

Foi lá que pela primeira vez atuei numa peça de teatro – fantasiado de Chapolin Colorado, incentivado pelo Professor Mauro Veras.

Foi lá que consegui ler quase 100 livros em apenas um ano – excelente projeto da Professora Marília.

Foi lá que pela primeira vez ganhei um Concurso Literário – grande incentivo da Professora Isabel Vega.

Foi lá que vi minha mãe – trêmula – fazer um discurso em público, diante de centenas de pessoas, para me defender.

Foi lá que participei de minha primeira passeata – em defesa do Passe Livre.

Foi lá que aprendi a tocar flauta doce.

Foi lá que dancei quadrilha, organizei eventos artísticos e coordenei Assembléias Estudantis.

Foi lá que descobri que os alunos poderiam entoar hinos e tabuadas com orgulho e vigor.

Enfim, foi lá que cresci politicamente e comecei a entender e praticar o exercício da crítica, protagonizar lutas e perceber que é preciso nos organizarmos para modificar a situação ao nosso redor. Mas foi lá também que descobri que gostaria de ser professor, de lecionar, de ensinar. E foi lá que escolhi a disciplina de Educação Física, principalmente a partir das aulas do Professor Marco Santoro, diante de dúvidas de cursos como Medicina, Direito, História, Química, Biologia e Informática. Hoje tenho certeza da correta opção. E voltei ao CPII para realizar metade da carga horária de minha Prática de Ensino, sendo bem recepcionado pelas Professoras Ana Julia e Kátia Regina. Ironias do destino? No campo da História da Educação, atualmente chego ao Colégio Pedro II como objeto de minha dissertação de Mestrado na UFRJ. Como ex-aluno, há três anos freqüento a Feijoada de dezembro. Um caminho percorrido para um novo sonho: retornar ao CPII como docente.

Abril de 2010: aparece o edital para três vagas de professor de Educação Física. Imediatamente agi, fui o terceiro inscrito! Concomitante à empolgação pelo concurso, gestou-se a decepção ao ver a bibliografia assim como ao visualizar a prova do concurso de 2002. O embate não seria com os demais 635 inscritos no Concurso, mas com a banca e uma concepção de Educação Física senão antagônica, totalmente distinta da que pude construir na Graduação, no Movimento Estudantil e na pós-Graduação. No dia 2 de maio, o balde jorrou granizo. Foi um cumprimento burocrático comparecer na Unidade de São Cristóvão, local onde em 2001 acompanhava Assembléias lotadas por centenas de professores e técnico-administrativos enfrentando a implementação do neoliberalismo e defendendo a Educação Pública. Em 1h 15min, apressado, sem tesão e acompanhando meu desejo escapar, marquei as 40 questões da prova, sabendo que estaria satisfeito se conseguisse acertar 50%, o que seria insuficiente, já que o edital exigia 70% e ficar entre as 24 maiores notas.

Nesse dia, a banca atuou como fogo-amigo, atacando soldados da ciência, que não sucumbiram e continuarão resistindo, acumulando forças para construir uma visão de Educação Física atrelada à necessária transformação radical da sociedade desigual e opressora, inerente às relações capitalistas. Pode ser que o sonho de voltar ao CPII como docente tenha sido adiado ou até mesmo não seja possível se concretizar, mas permanece a chama de lutar em defesa de que todas as crianças possam ser soldados da ciência, tendo acesso a uma Educação de Qualidade tal como eu pude ter e continuarei persistindo para socializar nas escolas em que trabalho e trabalharei.

Foi lá que saí entristecido no último Domingo. Porém, foi lá que me propiciou começar a semana mais rejuvenescido, ciente das tarefas árduas que nos esperam enquanto sujeitos da história, visando melhorar, aperfeiçoar e enriquecer minha Práxis Pedagógica, que busque superações, subversões, transformações, revoluções...


*Gabriel Rodrigues Daumas Marques
Ex-aluno do CPII – U. E. Engenho Novo II (1996 a 2002)