quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Uma categórica vitória*

Desde a final da Taça Guanabara do ano passado, quando o Botafogo venceu a equipe do Resende por 3 x 0, não comparecia ao Maracanã, já que os jogos do clube têm sido no Engenhão. Estive nas finais da Taça Guanabara de 2006, 2009 e 2010 e na da Taça Rio em 2007 e saí comemorando título nas quatro ocasiões.

Alguns fantasmas acompanhavam fortemente o Glorioso: uma goleada de 6 x 0 semanas antes para o suposto time da virada em pleno Engenhão; dois anos depois, o retorno do árbitro Marcelo de Lima Henrique no sorteio para a arbitragem da final (o mesmo da decisão da Taça Guanabara de 2008, que garfou escandalosamente o alvinegro); e o binômio desconfiança-impaciência da oscilante torcida do Botafogo, boa parte acostumada a acompanhar o Fogão apelas pelo sofá!



Mas o domingo de 21 de fevereiro foi dos caça-fantasmas! O árbitro do chororô quase influenciou negativamente no primeiro tempo ao não marcar pênalti claríssimo em cima de El Loco Abreu, mas acertou ao expulsar o gângster Nilton – que merece uma severa punição após a falta criminosa – e marcar o pênalti de Titi e expulsá-lo. A Sofá-Fogo não compareceu em muito peso; estava em menor número que os vascaínos, mas apoiou o Fogão durante toda a partida, cantando, incentivando e vibrando com mais uma conquista, fazendo muito mais barulho que a torcida da Colina. Ainda há muitos daqueles que insistem em ir ao Maraca para assistir ao jogo sentadinho, vício dos dias que ficam sentados nos sofás! E certamente o Ghostbuster Joel Santana mostrou sua Estrela, referendando sua campanha em finais de turno.



Confesso que não sou muito fã de Joel, mas preciso destacar que nosso novo técnico conseguiu acertar a defesa do time e criar um estilo de jogo com o cartel – fraco para a história gloriosa do Botafogo, diga-se de passagem – que já demonstrara garra e dedicação para eliminar a urubuzada na semifinal e fazer uma boa campanha nos jogos restantes da primeira fase. Algumas contratações, como já se anunciam, são necessárias. Assim como um patrocinador, pois o Botafogo tem sido divulgado internacionalmente com seu ataque Mercosul e tem uma história a contar e ainda em curso para ser construída. Todavia, o que o Botafogo deve investir com seriedade é no aproveitamento da garotada. O goleiro Renan, o lateral-esquerdo Gabriel, o meia Wellington Junior e o agora xodó Caio devem receber chances para crescer profissionalmente e a torcida precisa apoiar e ter paciência com as pratas da casa!

Retornando ao jogo de domingo, dia de Maracanã, tivemos a certeza de que os 6 x 0 foram bem retribuídos. Phelipe Coutinho e Carlos Alberto firularam e não produziram nada. Dodô novamente sentiu a pressão de enfrentar a torcida alvinegra e viu que está no clube certo para ser vice-campeão! Aos vascaínos, portanto: Uh, aceita! Porque Vice é o Vasco! E no Maracanã o Bacalhau virou Sardinha! Infelizmente há ainda muitas pessoas que insistem em levar resultados e gozações para a porrada! Precisamos aprender e entender que o futebol deve ser um espetáculo harmônico. Entre as torcidas, precisa-se de paz. A guerra que precisamos é em outra instância: contra a fome, a miséria e as mazelas que se multiplicam pela base opressora e cruel em que vivemos.

Ao conjunto do time do Botafogo falta habilidade, qualidade no passe e criação de jogadas, dentre outros fatores. Talvez o atual quartel seja o pior dentre os quatro grandes do Rio. Mas não faltou determinação, garra e atitude para que em menos de uma semana derrotássemos os campeões brasileiros das Séries A e B e nos tornássemos com categoria bicampeões da Taça Guanabara. Ao finalizar o Estadual, teremos estado em pelo menos 12 das 15 finais, vencendo por enquanto 1 Estadual, 2 Taças Rio e 3 Taças Guanabara. Uma regularidade bastante relevante, que pode avançar com mais conquistas e servir como exemplo para as competições nacionais.


*Gabriel Marques, botafoguense desde 30/05/1985.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Sem direito ao aborto*

Trabalhadora de padaria é atacada por ex-companheiro. A matéria poderia ser a mesma, recordada, reescrita, não fosse pela localidade, pelas características dos sujeitos envolvidos, pela data em que foi publicada e pelas conseqüências trágicas. Na padaria ao lado de minha casa, no Engenho de Dentro, bairro do subúrbio do Rio de Janeiro, na última terça-feira, Daiana Alves da Silva, de 24 anos, foi surpreendida pelo ex-marido e pai de suas duas filhas. Enquanto trabalhava, o sujeito chegou por trás, ateou gasolina e riscou o fósforo antes que Daiana conseguisse fugir.(1) Há pouco mais de 2 anos, em Araraquara-SP, uma balconista de padaria de 17 anos levou três tiros de seu ex-namorado, um jovem de 21 anos, que ainda amarrou seu corpo em pedras para que afundasse nas águas do Rio Jacaré.(2) Até onde sabemos, Daiana se encontra em estado grave no Hospital Municipal Salgado Filho, com queimaduras em 45% do corpo.

Infelizmente, o cotidiano é ainda mais cruel, pois não se trata apenas de mulheres que trabalham em padarias. Há menos de um mês, cenas horripilantes não eram ficção: Maria Islaine de Morais, proprietária de um salão de beleza, de 31 anos, levou sete tiros do ex-marido, na Região da Pampulha, em Belo Horizonte-MG.(3) Em outubro de 2008, em Sorocaba-SP, Daniel Pereira de Souza assassinou com um tiro na cabeça sua ex-namorada Camila Silva Araújo, de 16 anos, com quem tinha um filho.(4) Em setembro do ano passado, em São José dos Campos-SP, Marta Batista do Nascimento, de 48 anos, foi baleada no peito pelo pedreiro Jerônimo, que se suicidou e matou outras duas pessoas.(5) Não tenho dúvidas de que esse breve levantamento é miúdo diante de casos que se multiplicam país afora e que possuem características em comum: muitas das vezes há queixas e denúncias por parte das mulheres vítimas de agressões, que são negligenciadas ou não recebem a devida atenção por parte das autoridades. Tal quadro se configura em mais um reflexo da podridão da lógica opressora e machista da sociedade capitalista.

Recentemente, fiquei impressionado ao ler uma chamada para leitura de matéria em um blog, publicada pelo mesmo veículo de comunicação que se alarma – ou se usa da matéria para vender mais? – com o caso de Daiana.(6) O cabalista Shmuel Lemle publicou O papel do homem e da mulher, explicitando que a mulher veio ao mundo para ajudar o marido na sua correção espiritual e no seu processo de desenvolvimento e que sem ela o homem não consegue atingir o máximo de seu potencial. Flávio Alves da Silva pode muito bem ter lido uma baboseira dessas e não aceitou não poder chegar ao máximo de seu potencial, já que Daiana decidira romper o relacionamento! Perdoai-os, será que eles não sabem o que fazem, o que escrevem e o que defendem?

A lição cabalística é mais uma das facetas sobre as quais se ergue a divisão sexual do trabalho. A partir dessa simplista postagem, nota-se um forte argumento, uma legitimação do machismo, que, ao chegar no seu extremo, pode desencadear assassinatos, ameaças e ações truculentas contra as mulheres! Em outros momentos ou em outras culturas, serve para garantir a poligamia ou a existência dos dotes. Elas não podem ter o direito de decidir? Historicamente, tem sido importante para a conservação da ordem vigente a fidelidade da mulher, objeto reprodutor e responsável pelos cuidados com a casa e os(as) filhos(as). O próprio Dia Internacional da Mulher é deturpado pela ideologia burguesa para expansão do consumo.(7) E dia-a-dia acompanhamos nos programas televisivos a exposição exacerbada de bundas, corpos-violões ou capôs de fuscas; em letras de músicas e coreografias que, sutil ou de maneira escrachada dignificam cachorras, galinhas, piranhas, novinhas, popozudas presas em gaiolas ou frutas transgênicas fresquinhas para serem chupadas e/ou comidas! O sentimento de propriedade privada é evidenciado na magnífica criação artística recente, que necessitou de duas pessoas para compor que a mulher é a mulher e melhor que uma mulher só dez mulher!(8)

Não, elas não podem ter o direito de decidir. As ricas até conseguem com maior segurança, de maneira escamoteada! As pobres terão maior dificuldade de enfrentar as avalanches ideológicas, fortalecidas pelas pressões de uma Igreja tirânica, que esteve sempre ao lado dos poderosos em busca de ouro, status e poder. Entretanto, aquela que já mandou para a fogueira e financiou guerras, hoje hipocritamente afirma que as mulheres devem prosseguir com seus instintos maternais e defender a vida!

No texto da Lei 11.340, em vigor desde 22 de setembro de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha, encontra-se a criação de mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Poderia aprofundar os pormenores da Lei assim como a infra-estrutura necessária para implementação rígida da mesma, como uma maior existência de delegacias especializadas, proteção irrestrita às vítimas – antes das fatalidades – com apoio psicológico, educacional e de assistência social etc. Pode-se dizer que avanços aconteceram em alguns sentidos, como a participação de mulheres em profissões masculinizadas ou até mesmo a homologação da Lei mencionada. Todavia, os retrocessos possuem muita força, ao pagar salários desiguais para trabalhos iguais; ao não serem construídas creches para atender a real demanda; ao criminalizar o aborto etc.

Se a dominação da mulher pelo homem se origina a partir da necessidade da exploração do ser humano pelo ser humano, devemos radicalizar e fazer nascer novas necessidades e novas relações, sem que essas sejam abortadas.


*Gabriel Rodrigues Daumas Marques
Professor de Educação Física e Mestrando em Educação (UFRJ)


(1) Matérias de 16/02/2010:

(2) Matérias de 20/01/2008:

(3) Matéria de 20/01/2010:

(4) Matéria de 20/10/2008:

(5) Matéria de 15/10/2009:

(6) Matéria de 07/02/2010:

(7) Luta Mulher, de Vivian Machado Dutra:

(8) Mulher, Mulher, Mulher (idéia fixa), de Neguinho da Beija-Flor e Murilo Rayol.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Quanto riso, oh! Quanta alegria!

Em ritmo de festa, milhões de foliões já preparam seus apetrechos e fantasias, programam suas viagens e entoam refrões para se esbaldar nas ruas de diversas localidades de nosso extenso país.  Por diversos motivos, sempre gostei do Carnaval: quando criança, ia ver com meus pais os carros alegóricos e acompanhava os desfiles das escolas de samba e anotava as notas de cada quesito durante a apuração; já adolescente, usava fantasias, viajava, conhecia novas pessoas, beijava na boca etc. Planejo o terceiro ano consecutivo na simpaticíssima Cidade Maravilhosa, curtindo os blocos, as praias, cachoeiras e demais belezas. Porém, para fazer valer o nome do blog, tentarei compartilhar um pouco da angústia que tem me acompanhado freqüentemente.

Muitos esbravejam por aí que o ano oficialmente se inicia apenas após o Carnaval, que é tempo de afogar as mágoas, esquecer os problemas, se embebedar e por aí vai. É aí que reside algo bastante perigoso e conservador, visto que pretende preservar a realidade concreta ao nosso redor. Com auxílio da mídia, a criação, a irreverência, a ironia que poderiam ser mecanismos de crítica e superação são transformados em mercadorias a serem consumidas pragmaticamente a fim de gerar lucros para grandes corporações. 

Dois mil e dez já teve seu início há muito tempo, bem antes dos pirotécnicos foguetórios que iluminaram a virada para o dia primeiro de janeiro. Não nos esqueçamos de que em outubro teremos novamente o processo eleitoral, renovando, sucedendo, modificando presidente, governadores, senadores e deputados federais e estaduais. Renovando, sucedendo, modificando o quê, cara pálida!? Mais falsas polarizações entre os tucanos e petistas serão apresentadas, ludibriando a população, que precisará digerir novas propagandas do sempre mesmo projeto vigente, com apenas trocas de máscaras e embalagens, mantendo o conteúdo: opressor, corrupto, burguês! Tal como a escolha da sede dos Jogos Olímpicos de 2016, é um novo jogo de cartas marcadas, dessa vez com uma dama de estrela vermelha que hoje tem sua combatividade apagada.

E como vamos nos esquecer? Tivemos gripe suína e crise do capital no ano passado tomando conta dos noticiários! O mensalão DEMocrata e a permanência de Arruda no Distrito Federal tal como ocorre com o presidente Lula: caem-se as laranjas mas não derrubam a laranjeira (todas podres, diga-se de passagem). No início do ano, desastres em Angra dos Reis e no Haiti que ratificaram a hipocrisia dos poderosos ao apelar para a solidariedade enquanto suas contas bancárias possuem apenas uma direção: superávit! Logo essas capas de jornais serão trocadas por outras, com semelhantes desgraças, tristezas, choros e agonias, usando Joões e Marias como fantoches de um espetáculo com desfechos imprevisíveis, enquanto não mudamos o rumo da atual história. Tá com calor aí? Não esquenta! Pegue uma gelada, coloque a amarelinha, pois acompanharemos a nossa Seleção rumo ao Hexa! Será que as mãos que constroem o país levantam a taça?

É isso. Já estamos rumando às ruas para curtir o Carnaval, tempo de festas, mas também período no qual aumentam-se os índices de violência, conseqüência corriqueira informada de maneira trivial por aqueles que querem nos vender, nos comprar, nos matar de rir e nos cegar! São assaltos, roubos, furtos, estupros, acidentes de carro etc. que se multiplicam nesse período, que também consegue jogar a sujeira para debaixo do tapete, fingindo que não há miséria, fome ou desemprego. E é também num Carnaval que podemos vislumbrar lampejos e afirmar com confiança que há uma luz no fim do túnel. Em 2008, durante um bloco na Praia de Ipanema lotada, um daqueles ambulantes - sim, daqueles que muitas vezes atrapalha, empurra e vende caro - teve seu isopor repleto de bebidas caído ao chão, varando gelo, latinhas e garrafas pela rua e calçadas. De repente, homens e mulheres caminham, se abaixam, pegam os itens e... Colocam dentro do isopor do trabalhador!

Aprendamos a ir para as ruas com o Carnaval, para fazer com que os risos e as alegrias possam ser acessíveis e compartilhados com toda a humanidade.