segunda-feira, 28 de junho de 2010

Chapa 4 para o DCE Mario Prata

Nos dias 29 e 30 de junho e 01 de julho, vote CHAPA 4 e PROPORCIONALIDADE para o Diretório Central dos Estudantes da UFRJ - o DCE Mario Prata.





Aos que virão depois de nós
Eu vivo em tempos sombrios.
Uma linguagem sem malícia é sinal de estupidez,
uma testa sem rugas é sinal de indiferença.

B. Brecht
Caros alunos:

Nos dias 29-30/06 e 01/07 ocorrerá mais uma eleição para o DCE, Diretório Central de Estudantes da UFRJ.

Como todos sabem apóio a Chapa 4, REVIDA MINERVA.

Tenho bons e consolidados motivos e argumentos para esta escolha, referendada numa prática de colaboração conjunta desde 2002.

Mas.... não escrevo para pedir votos e sim reflexão.

Citando Brecht, poeta preferido, não me furto da tarefa de falar “para os que virão depois de nós”, motivo maior do meu exercício do magistério com tanta paixão.

Jamais serei indiferente, especialmente quando se trata de refletir e procurar rumos para a universidade pública e lutar para transformar a dura realidade que nos cerca.

Ao longo de toda minha vida como professora, na área de ciências exatas, especialmente nas aulas de Metodologia Científica tentei, sempre, enfatizar que o futuro se constrói com reflexão crítica e ação transformadora sobre o presente.

Muro da vergonha na Linha Vermelha, HU desabando, salas superlotadas, mega eventos esportivos alienantes, assaltos, medo pairando sobre nossas cabeças nas mais simples ações cotidianas, empilhamentos diários nos nossos transportes coletivos, etc., são faces da mesma moeda: o modelo de sociedade vigente.

A eleição do DCE deveria e deve cumprir o papel de ser um importante momento de debate, reflexão, e participação estudantil na vida da UFRJ.

Momento de questionar a universidade em que estudamos e entender que aqui devemos exercitar nossa potencialidade de intervenção transformadora. Temas que tanto procurei trabalhar com vocês em sala de aula, especialmente de Metodologia Científica!

Assim, lamento que a atual gestão do DCE, Chapa 2, tenha escolhido momento tão impróprio para eleição fazendo uma eleição apressada no final do período, em momento de Provas e COPA do MUNDO.

Por quê? A quem interessa desperdiçar este momento e realizar uma eleição tão importante para este difícil momento da UFRJ, no final de período, entre provas, Copa e esvaziamento das salas de aula? Queremos inibir os debates, questionamentos e reflexão? Apostamos em campanhas de festas, cervejas e que vençam os cartazes mais bonitos, as campanhas mais ricas, as maiores chopadas? Vamos aqui reproduzir os processos eleitorais que tanto criticamos?

Merecemos muito mais do que isto na nossa universidade, a maior universidade federal do Brasil!

Como então escolher a melhor chapa, num processo eleitoral desta natureza? Prevalece o critério de avaliação da prática, que deve sempre referendar modelos em análise e seus postulados teóricos.

Prevalece o questionamento correto e a busca de respostas certas para perguntas certas. O que foi feito na atual gestão? Como foi feito? Que propõem os que querem mudar?

Por que chapas que se dizem de mudança como a chapa 3, ainda estão na UNE, hoje fábrica de carteirinhas e sustentação de políticas educacionais que precarizam a universidade?

As chapas 1 e Chapa 5 nem merecem minha análise, uma vez que claramente não se colocam no campo progressista dos que querem mudanças reais. Ambas estão a serviço do modelo de educação excludente (chapa 5) e de precarização da universidade (chapa 1).

Queremos assistência estudantil? Qual? Queremos cotas? Quais? Quem fez o debate de cotas? Por que não se tem coragem de debater esta questão tão delicada? Poderia aqui enumerar um número infinito de perguntas que precisaram ser formuladas e debatidas neste processo eleitoral.

Uma importante reflexão final:

Interessa-me mostrar que metodologia científica, pensada como um método de busca da verdade numa realidade objetiva deve ser aplicada em todas as situações. Metodologia: um conjunto de leis e procedimentos que nos permite ter um método correto de análise da realidade. O uso de um método correto nos permite chegar com segurança a um modelo de validação da verdade objetiva que sim, deve sempre ser validado e referendado experimentalmente. Processo bem mais difícil, nas ciências sociais do que nas exatas.

Mas aqui ainda cabe a máxima do materialismo dialético; as chapas não são o que elas dizem. As chapas são o que elas fazem.

Assim pensando estaremos aplicando o método materialista que busca no resultado experimental a comprovação do discurso/modelo teórico. Por isto tenho sempre apoiado a Chapa 4, REVIDA MINERVA, uma chapa com uma correta e referendada prática política.

Acreditando que a universidade pública é, ainda, o espaço de realizar uma educação transformadora fica meu pedido: pensem e debatam antes de votar! Fazendo isto vocês estarão usando a reflexão e o potencial transformador a serviço da manutenção e preservação da universidade pública, espaço de produção de saber e reflexão e não fábrica de diplomas e gestores empreendedores.

Pensem antes de votar e votem no melhor!

Carinhosamente,

Profa. Vera Salim
COPPE/UFRJ




Quando a manhã, vestida em seu robe de açafrão, derramava luzes sobre a terra, Zeus convocou os deuses para o conselho no mais alto dos picos das escarpas do Olimpo. Ele falava e todos escutavam com atenção. Ordenou aos deuses, seus comandados, que se mantivessem imparciais perante a contenda que se avizinhava. Que não ajudassem nem gregos nem troianos, que os guerreiros fossem deixados à própria sorte. Lembrou, severamente, que não estava, ali, para brincadeiras e que destruiria sem dó qualquer um que se lhe atravancasse os desejos. Riu dos deuses e para demonstrar sua superioridade, amarrou-se a uma imensa corrente de ouro lançando-a do céu à terra e profetizou: Se todos vocês, deuses e deusas, com todos os seus poderes e juntos e com todas as forças que houverem, puxarem a corrente de ouro, não moverão Zeus dos céus de onde comanda os acontecimentos, mas se eu a puxar, sem muito esforço, moverei terra e mar, lançando-os a todos por sobre algum monte do Olimpo onde permanecerão vagando, deuses e deusas desesperados, perdidos no firmamento. Todos se calaram obedientes, mas Minerva, com a coragem típica das filhas inquietas suplicou-lhe que a deixasse, pelo menos diminuir o sofrimento dos aqueus para que eles não padecessem totalmente. Zeus sorriu terno e virando-se, partiu em sua carruagem de fogos e ouros, embrenhando-se nos emaranhados do infinito.

No calor das inúmeras batalhas, Zeus compadecido pela intervenção da filha rebelde, impertinente, faz vista grossa e permite aos seus deuses e deusas, que se alinhem e ajam conforme suas convicções. Apolo, desviando as flechas dos seteiros contra Heitor, possibilita que este encurrale os guerreiros aqueus de volta as suas naus. O fim das batalhas parecia próximo quando o próprio Zeus, por interferência de Minerva, anoitece, repentinamente, um dia ainda claro, impossibilitando a estocada final, e fazendo recuar, desta maneira, os troianos de volta ao interior de suas muralhas.

As batalhas prosseguirão por muitos e muitos cantos, mas é neste canto oito que muitas verdades da Ilíada são reveladas e que, pela primeira vez, o desfecho, que todos conhecemos, da maneira saborosa como conhecemos os clássicos, sempre a relê-los, mesmo quando não os lemos, é anunciado.

Aqui, de outra maneira, nessas ilhas aterradas e atreladas a um passado sem vitórias, nessa grécia alguma, a justiça dos deuses e a bravura dos guerreiros deram lugar ao patético troca-troca de favores entre os que já nem fingem mais lutar, com suas bravatas e obediência cega aos ditames, sem metáforas ou delicadeza, do mercado financeiro e seus bonecos falantes. Aqui Minerva é uma estampa nos timbrados onde as vergonhas são oficialmente transmitidas. Perdeu sua petulância questionadora e, de filha rebelde, capaz de ponderar os delírios onipotentes de um Zeus enfurecido, passa a carimbo, borrando sem jeito a consagração conspiratória dos que já nem deuses nem honrados.

Revida, Minerva, que se posiciona contrária a UNE e reivindica a necessidade de uma nova organização estudantil.

Revida, Minerva, contra o REUNI e seus silêncios paralisantes e privatizantes.

Revida, Minerva, pelo acesso universal e cotas sociais com criação de vagas e ampliação dos cursos, com bandejão, bolsa e alojamento.

Revida, Minerva, pela participação efetiva dos estudantes em um movimento feito pelas bases.

Revida, Minerva, pelo direito de sonhar um mundo melhor e lutar pelos seus sonhos e romper com os silêncios cansados e atravessar ideias e inventar novos caminhos e experimentar destinos.

Revida, Minerva, que tua memória exige um futuro de luta e sabedoria, longe das odes metálicas e do mundo do petróleo. Afinal, a corrente era de vidro. Céus e terra nunca existiram. O ouro tilintava nos braços dos homens superiores com suas bravatas digitais. E nós, sem armas ou causas, tramando um confronto virtual em vidas supérfluas e desnecessárias ainda fingimos ser nossa essa Minerva universitária que já não mais nos guia. Guardamos sua estampa, perdemos sua rebeldia e contestação. Os decretos se amontoam e os retrocessos avançam. Já não temos planos... Revida, Minerva !!!!!!!

 
Professor Ricardo Kubrusly

sábado, 12 de junho de 2010

Por que Socialismo?

Em tempos de atenções voltadas para a Copa do Mundo, inclusive eu tendo acabado de assistir ao jogo Argentina 1 x 0 Nigéria, às vésperas da estreia da Seleção Brasileira, imaginava escrever sobre o futebol para atualizar o blog já há algum tempo sem postagem. Também poderia escrever sobre mais uma data comemorativa: o Dia dos Namorados! Todavia, enquanto colocava em dia a leitura da caixa de mensagens do correio eletrônico, deparei-me com um texto de Albert Einstein, alemão nascido numa família judaica a 14 de março de 1879.


Conhecido mundialmente pelo desenvolvimento da teoria da relatividade, vencedor do prêmio Nobel de Física em 1921, certamente o texto abaixo apresenta uma visão que poucas pessoas conhecem dessa importante figura da humanidade. Não conhecia o texto e compartilho aqui para leitura e comentários, destacando algumas partes bastante interessantes.



Por que Socialismo?(1)
Albert Einstein
Maio 1949

Primeira Edição: Monthly Review, nº 1, maio 1949.
Origem da presente Transcrição: Monthly Review.


É aconselhável que alguém que não é um especialista em assuntos econômicos e sociais expresse suas opiniões acerca do tema do socialismo? Creio, por uma quantidade de razões, que sim.

Consideramos primeiramente a questão desde o ponto de vista do conhecimento científico. Poderia parecer que não há diferenças metodológicas essenciais entre a astronomia e a economia: os cientistas de ambos os campos tentam descobrir leis de aceitabilidade geral para um grupo circunscrito de fenômenos com o objetivo de fazer a interconexão destes fenômenos tão claro quanto for possível. Mas na realidade tais diferenças existem. O descobrimento de leis gerais em economia se complica pela circunstância de que os fenômenos econômicos observados são freqüentemente influenciados por muitos fatores que são muito difíceis de avaliar separadamente. Além disso, a experiência que se acumulou desde o princípio do chamado período civilizado da história humana tem sido — como é sabido — grandemente influenciada e limitada por causas cuja natureza não são de nenhum modo exclusivamente econômicas. Por exemplo, a maior parte dos Estados na história devem sua existência à conquista. Os povos conquistadores se estabeleceram, legal e economicamente, como a classe privilegiada do país conquistado. Atribuíram-se o monopólio da posse da terra e designaram para o sacerdócio alguém de suas fileiras. Os sacerdotes, com o controle da educação, fizeram da divisão de classes da sociedade uma instituição permanente e criaram um sistema de valores mediante o qual dali em diante o povo foi, em grande medida inconscientemente, guiado em sua conduta social.

Mas a tradição histórica é, por assim dizer, de ontem; em nenhuma parte temos realmente superado o que Thorstein Veblen chamou de “a fase depredadora” do desenvolvimento humano. Os feitos econômicos observáveis pertencem a esta fase e suas leis não são aplicáveis a outras fases. [Primeiro] Dado que o propósito real do socialismo é superar e avançar além da fase depredadora do desenvolvimento humano, a ciência econômica em seu estado atual não pode deixar muita luz sobre a sociedade socialista do futuro.

Segundo, o socialismo está dirigido para um fim social-ético. A ciência, sem embargo, não pode criar fins nem, ao menos, induzí-los nos seres humanos. Mas os fins em si mesmos são concebidos por personalidades com elevados ideais éticos — estes propósitos não são rígidos senão vitais e vigorosos — são adotados e levados adiante por aqueles muitos seres humanos que — quase inconscientemente — determinam a lenta evolução da sociedade.

Por estas razões, deveríamos estar atentos a não sobrestimar a ciência e os métodos científicos quando se trata de problemas humanos, e não deveríamos assumir que os especialistas são os únicos que têm direito e expressar-se sobre as questões da organização da sociedade.

Inumeráveis vozes têm afirmado desde já algum tempo que a sociedade humana está passando por uma crise, que sua estabilidade está gravemente prejudicada. É característico desta situação que alguns indivíduos se sintam indiferentes, ou integrados, ou hostis ao grupo que pertencem, seja ele grande ou pequeno. Para ilustrar este ponto, deixem-me registrar aqui uma experiência pessoal. Recentemente discuti com um homem inteligente e bem disposto a ameaça de outra guerra, a que em minha opinião colocaria seriamente em perigo a existência da humanidade, e comentei que somente uma organização supranacional poderia proteger-nos daquele perigo. Depois, o homem, calmamente e friamente, me disse: “Por que você se opõe tão profundamente ao desaparecimento da raça humana?”

Estou seguro que apenas um século atrás ninguém teria afirmado tão levianamente algo semelhante. É a declaração de um homem que se esforçou em vão para alcançar um equilíbrio interior e basicamente perdeu a esperança de alcançá-lo. É a expressão de uma solidão e isolamento de que muita gente sofre hoje em dia. Qual é a causa? Tem uma saída?

É fácil fazer estas perguntas, mas é difícil respondê-las com alguma segurança. Devo tratar, contudo, da melhor maneira que se pode, mesmo eu sendo consciente da ação de nossos sentimentos e esforços que podem ser contraditórios e obscuros e que não podem ser expressados em fórmulas fáceis e simples.

O homem é, ao mesmo tempo, um ser solitário e um ser social. Como ser solitário, busca proteger sua própria existência e aqueles que são mais próximos, para satisfazer seus desejos pessoais e desenvolver suas habilidades inatas. Como ser social, busca conquistar o reconhecimento e o afeto de seus semelhantes para compartilhar o seu prazer, confortá-los com sua solidariedade e melhorar suas condições de vida. Só a existência destes esforços, freqüentemente em conflito, podem dar conta do caráter especial do homem, e sua combinação específica determina até que ponto um indivíduo pode alcançar o equilíbrio interior e contribuir para o bem estar da sociedade. É bem possível que a força relativa destes dois impulsos diversos esteja, basicamente, fixada pela herança. Mas a personalidade que finalmente emerge está em grande medida formada pelo entorno em que o homem se encontra durante o seu desenvolvimento, pela estrutura da sociedade em que cresce, pela tradição desta sociedade, e por sua valoração de diversos tipos de condutas. O conceito abstrato “sociedade” significa para o indivíduo a soma de suas relações, diretas e indiretas, desde os seus contemporâneos até as gerações anteriores. O individuo é capaz de pensar, sentir, atuar, e trabalhar por si mesmo, mas sua dependência da sociedade é tanta — em sua existência emocional e intelectual — que é impossível pensar nele, ou compreendê-lo, fora do marco da sociedade. É a “sociedade” quem lhe proporciona comida, roupas, ferramentas de trabalho, linguagem, as formas de pensamento, e a maior parte do conteúdo do pensamento; sua vida se faz possível graças ao trabalho e às conquistas dos muitos milhões, contemporâneos e antepassados, que estão escondidos detrás da pequena palavra “sociedade”.

É evidente então que a dependência do indivíduo pela sociedade é um feito natural que não pode ser abolido — exatamente como no caso das formigas e das abelhas. Sem dúvida, enquanto todas as ações das formigas e das abelhas estão fixadas até o menor detalhe por instintos rígidos e hereditários, os capatazes sociais e as interrelações dos seres humanos são muito variáveis e suscetíveis à mudança. A memória, a capacidade de realizar novas combinações, o dom da comunicação oral têm feito possíveis desenvolvimentos nos seres humanos que não são ditados por necessidades biológicas. Estes desenvolvimentos se manifestam nas tradições, nas instituições e nas organizações; na literatura; nos avanços científicos e nos engenhos; nas obras de arte. Isto explica como ocorre que, em certo sentido, o homem possa influir sobre sua vida através de sua própria conduta e que neste processo o pensamento e os desejos conscientes são muito importantes.

O homem adquire ao nascer, por meio de herança, uma continuação biológica que é fixa e inalterável, que inclui os impulsos naturais que são característicos da espécie humana. Ademais, adquire durante sua vida uma constituição cultural que adota da sociedade por meio da comunicação e através de muitas outras formas. É esta constituição cultural que, com o passar do tempo, está sujeita às mudanças e que determina em grande medida a relação entre o indivíduo e a sociedade. A antropologia moderna nos ensinou, usando o estudo das chamadas culturas primitivas, que o comportamento social dos seres humanos pode apresentar grandes diferenças, dependendo dos padrões culturais prevalecentes e dos tipos de organização que predominam na sociedade. É nisto que podem fundar suas esperanças aqueles que se esforçam em melhorar as condições dos homens: os seres humanos não estão condenados, por sua constituição biológica, a aniquilarem- se uns aos outros, ou à mercê de um destino cruel e de castigos.

Se nos perguntamos como deveriam ser transformadas a estrutura da sociedade e a atitude do homem para fazer a vida tão satisfatória como possível, deveríamos estar conscientes de que somos incapazes de modificar certas condições. Como foi mencionado antes, a natureza biológica do homem não está, a todos efeitos práticos, sujeita à mudanças. Ademais, as condições criadas pelos desenvolvimentos tecnológicos e demográficos dos últimos séculos chegaram para ficar. Nos locais com população relativamente densa, com os produtos que são necessários para sua existência, uma profunda divisão do trabalho e um aparato altamente centralizado são absolutamente necessários. Os tempos – que em perspectivas parecem tão idílicos – em que homens ou grupos pequenos podiam ser completamente auto-suficientes se foram para sempre. É apenas um leve exagero dizer que a humanidade já constitui uma comunidade planetária de produção e consumo.

É alcançado agora o ponto aonde posso indicar brevemente o que para mim constitui a essência da crise de nosso tempo. Está relacionado com o individuo e sua relação com a sociedade. O indivíduo está mais consciente do que nunca de sua dependência da sociedade. Mas não sente esta dependência como um traço positivo, como um laço orgânico, como uma força protetora, mas uma ameaça a seus direitos naturais, ou a sua existência econômica. Por outro lado, sua posição na sociedade é tal que os impulsos egocêntricos de sua constituição são constantemente acentuados, enquanto que seus impulsos sociais, naturalmente mais débeis, se deterioram progressivamente. Todos os seres humanos, em qualquer posição da sociedade, sofrem este deterioramento progressivo. Involuntários prisioneiros de seu próprio egocentrismo se sentem inseguros e privados do mais inocente e simples desfrute da vida. O homem só pode encontrar o sentido da vida, curta e perigosa como é, consagrando a sociedade.

A anarquia econômica da sociedade capitalista de hoje em dia é, em minha opinião, a verdadeira fonte dos males. Vemos diante de nós uma enorme comunidade de produtores cujos membros se esforçam incessantemente em privar o outro dos frutos de seu trabalho coletivo — não pela força mas cumprindo inteiramente as regras legalmente estabelecidas. A este respeito é importante dar-se conta de que os meios de produção — isto é: toda a capacidade produtiva necessária para produzir bens de consumo assim como bens de capital adicionais — podem ser — e em sua maioria o são efetivamente — a propriedade privada de alguns indivíduos.

Para simplificar, na discussão que se segue chamarei “trabalhadores” os que participam na propriedade dos meios de produção, apesar de isto não corresponder ao uso corrente do termo. Usando os meios de produção, o trabalhador produz novos bens que transformam- se em propriedade do capitalista. O ponto essencial deste processo é a relação entre o que o trabalhador produz e o que lhe pagam, ambos medidos em termos de valor real. Em quanto o contrato do trabalho é “livre”, o que o trabalhador recebe está determinado não pelo valor real dos bens que produz mas por suas necessidades mais básicas e pela necessidade de força de trabalho por parte dos capitalistas em relação ao número de trabalhadores competindo por empregos. É importante entender que nem sequer na teoria o salário do trabalhador é determinado pelo valor do que produz.

O capital privado tende a se concentrar em poucas mãos, em parte devido à competência entre os capitalistas, e em parte porque o desenvolvimento tecnológico e a crescente divisão do trabalho alentam a formação de unidades maiores de produção em detrimento das menores. O resultado destes desenvolvimentos é uma oligarquia do capital privado cujo enorme poder não pode ser controlado efetivamente nem sequer por uma sociedade política democraticamente organizada. Isto é assim porque os membros dos corpos legislativos são selecionados pelos partidos políticos, em grande medida financiados ou de alguma maneira influenciados por capitalistas privados que, por todos efeitos práticos, separam o eleitorado da legislatura. A conseqüência é que os representantes do povo não protegem suficientemente os interesses dos grupos não privilegiados da população. Por outra parte, nas condições atuais os capitalistas privados controlam, direta ou indiretamente, as principais fontes de informação (imprensa escrita, rádio, educação). É então extremamente difícil, e por certo impossível na maioria dos casos, que cada cidadão possa chegar às conclusões objetivas e fazer uso inteligente de seus direitos políticos.

A situação prevalecente em uma sociedade baseada na propriedade privada do capital está então caracterizada por dois princípios mestres: primeiro, os meios de produção são propriedade de indivíduos, e estes dispõem deles como melhor lhes parecer; segundo, o contrato de trabalho é livre. Supostamente, não existe sociedade capitalista pura, neste sentido. Em particular, deve-se assinalar que os trabalhadores, por meio de grandes e amargas lutas políticas, tem conseguido uma forma um tanto melhorada do “livre contrato de trabalho” para certas categorias de trabalhadores. Mas, tomada como um todo, a economia atual não difere muito do capitalismo “puro”.

Esta mutilação dos indivíduos é o que considero o pior mal do capitalismo. Nosso sistema educativo como um todo sofre este mal. Uma atitude exageradamente competitiva se inculca no estudante, que é treinado para adorar o êxito da aquisição como uma preparação para sua futura carreira.

Estou convencido de que há somente uma forma de eliminar estes graves malefícios: através do estabelecimento de uma economia socialista, acompanhada por um sistema educacional que seja orientado para fins sociais. Em tal economia, os meios de produção são propriedade da própria sociedade e utilizados de maneira planejada. Uma economia planejada, que ajuste a produção às necessidades da comunidade, distribuiria o trabalho entre todos aptos a trabalhar e garantiria os meios de vida de todos, homem, mulher e criança. A educação do indivíduo, além de promover suas próprias habilidades inatas, intentaria desenvolver em um sentido de responsabilidade por seu próximo, em lugar da glorificação do poder e do êxito em nossa sociedade atual.

Sem embargo, é preciso recordar que uma economia planificada não é todavia o socialismo. Uma economia planificada como tal pode ser acompanhada pela completa escravização do indivíduo. A realização do socialismo requer a solução de alguns problemas sócio-políticos extremamente difíceis: “como é possível, considerando a muito abarcadora centralização do poder, conseguir que a burocracia não seja todo poderosa e arrogante? Como podem proteger os direitos do indivíduo e mediante ele assegurar um contrapeso democrático ao poder da burocracia?”

Ter claras as metas e problemas do socialismo é de grande importância nesta época de transição. Dado que, nas circunstâncias atuais, a discussão livre e sem travas destes problemas são um grande tabú, considero a fundação desta revista (2) um importante serviço público.

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Notas:

1 - Este texto, originalmente intitulado “Why Socialism?”, foi escrito por Einstein para o primeiro número (1949) da revista marxista estadunidense Monthly Review. O texto, em sua versão na língua inglesa, pode ser consultado pelo http://www.monthlyr eview.org/ 598einst. htm. Também há uma versão em espanhol disponível em http://www.rebelion .org/noticia. php?id=24924. (Nota do Tradutor) 

2 - A revista marxista estadunidense “Monthly Review”.