Em Laranjeiras, há praticamente vinte e cinco anos eu nascia. Tal acontecimento foi antecipado em algumas semanas, em virtude de minha genitora ficar presa no elevador horas antes. Era o ano de 1985 e o país onde cresci e de onde nunca tive a oportunidade de sair até o presente momento começava a engatinhar e preparar seus primeiros passos para apagar as marcas de um período conturbado de ditadura aberta controlada pelos militares e pelo empresariado.
Era retirado de um útero quente, úmido, que me alimentava a todo tempo, até uma equipe de profissionais com roupas brancas utilizar uma tesoura, romper o cordão umbilical, me escutar chorar/respirar e sorrir para informar que nascia um menino. Já estava escolhido o nome: Gabriel – homenagem ao avô materno que só conheci por fotos e histórias. É uma fase onde temos raras escolhas e acatamos, porque também enfrentamos eventualmente, os nomes, gostos e vontades, orientados por aqueles que com carinho e amor nos trazem à arena da sociedade. Em suma, parece (e é?) uma grande covardia: retiram-nos do ambiente prazeroso, tranqüilo, equilibrado para nos empurrarem à realidade concreta onde passamos por diversas instituições, lidamos com outros seres humanos que vivenciaram o mesmo processo com características diversas, gozamos do conjunto da natureza para viver e sobreviver e reproduzimos o ciclo ao gerarmos nossos próprios filhos.
Pode não ser a mais importante, mas deve ser a primeira ruptura de nossas vidas, ao mesmo tempo impositiva, libertadora e necessária: a segregação do elo anteriormente estabelecido pelo cordão umbilical. Necessidades, tensões, conflitos, aprendizagens, movimentos, diálogos, carinhos, sentimentos, desejos e mais rupturas... A dialética fica cada vez mais evidente assim como a importância de se aproveitar cada momento da vida, ao passo que a morte caminha não apenas ao nosso lado, mas internamente desde quando estamos no interior de nossas mães e nossas células nascem, crescem, se reproduzem e morrem desde então.
É por isso que nesse aniversário falo dos primeiros fios brancos e das rugas que começam a surgir. Conforme Brecht, em “Aos que virão depois de nós”, são sinais de que não estamos indiferentes, num contexto complexo, contraditório, cruel e capitalista em que comemos e bebemos, já que precisamos sobreviver, sabendo que tantos outros sentem fome, sede, todavia comerão restos e sobras – quando comerão – em meio à abundância existente suficiente para alimentar os bilhões espalhados pela Terra.
É essa a aparência (ou evidência?) de covardia a que me referi anteriormente, mas ao mesmo tempo é essa covardia que precisamos enfrentar e superar, criando e recriando rupturas. Diferentemente do nome, da comida e da roupa durante a infância, agora não só podemos como devemos escolher o que temos a oferecer para a humanidade, qual o roteiro que vamos seguir e se seremos espectadores ou protagonistas diante de um modelo de sociedade que visa nos coisificar ao exigir que sejamos mercadorias. Um modelo em que poucos concentram riquezas e muitos trabalham para poucos lucrarem e concentrarem as tais riquezas. Um modelo que pretende nos alienar daquilo que produzimos, daquilo que somos, daquilo que queremos. Um modelo que exporta barbárie para todos os cantos, que mata nossos filhos, destrói nossos sonhos, acorrenta nossas mentes.
Não sinto medo ou vergonha de apresentar minhas escolhas e explicitar meus projetos e objetivos, que passam necessária e fundamentalmente pela explosão do modelo atual, pela construção e consolidação de novas perspectivas, de novas relações, de novos sentimentos, de novas convicções, de novos horizontes.
Hoje, vinte e cinco anos depois do contexto em que o Brasil se encontrava, os desafios permanecem difíceis e os problemas nos parecem insolúveis. Diante de uma mídia conservadora e hipócrita que fornece respostas simplistas, superficiais, enfadonhas e enganadoras em suas novelas, propagandas e telejornais; diante de um governante do país que cede as mãos, os braços, a ideologia e o poder aos setores latifundiário, financeiro, industrial, enfim à classe dominante, e caminha fielmente ao lado daqueles que exterminaram companheiros e companheiras que impulsionavam as lutas para construir um outro modelo; diante de orientações que exacerbam o individualismo, a naturalização e a manutenção da ordem vigente, meu recado de um auto-feliz aniversário é simples e direto: será construído e erguido um novo amanhã!
*Gabriel Rodrigues Daumas Marques
Necessariamente, orgulhosamente e combativamente Comunista
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