quinta-feira, 4 de março de 2010

Proposta Curricular para o Ensino de Educação Física - Saquarema

Em 2008, fiz a prova para professor de Educação Física do município de Saquarema-RJ: 10 vagas divulgadas pelo edital. Como sempre, pelo critério de desempate, mesmo com número de pontos iguais ao do 6º colocado, fiquei na 11ª colocação. A primeira convocação veio apenas no início de 2009. No mesmo ano, mais professsores foram chamados numa segunda convocação e eu tomei posse no município em agosto, atuando na Educação de Jovens e Adultos da Escola Municipal Edilson Vignoli Marins.

Por conta da elaboração de um projeto e planejamento na referida escola para lecionar Educação Física no turno da noite e de ter o trabalho comentado e elogiado, a Coordenação do 2º Segmento do Ensino Fundamental entrou em contato comigo no final do ano, solicitando a formulação de uma proposta curricular para a rede municipal. Em breve o documento estará disponível em .doc e .pdf. Por enquanto, compartilho aqui no blog. Tal documento certamente necessita de amplos debates a partir de sua gradativa materialização para que novas formulações possam ser feitas no município e compartilhadas com as demais locaidades.

Gabriel.

PROPOSTA CURRICULAR PARA O ENSINO
DE EDUCAÇÃO FÍSICA

TERCEIRO E QUARTO CICLOS
DO ENSINO FUNDAMENTAL - 6º AO 9º ANOS

SAQUAREMA, 2010



Contextualização


A Educação Física é considerada componente curricular obrigatório da Educação Básica(1) e sua proposta pedagógica deve encontrar-se integrada à proposta da instituição escolar, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9396/96), que também apresenta a necessidade da educação escolar vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social. Diante desse quadro, apresentamos esse documento ao corpo docente de Educação Física do município de Saquarema a fim de retomar algumas importantes discussões da área e emitir suporte e orientações curriculares para a elaboração dos planos de trabalho, que zelem pela aprendizagem dos alunos e auxiliem na articulação com as famílias e a comunidade (BRASIL, 1996).

Longe de querer moldar as práticas pedagógicas e/ou ferir a autonomia do profissional no que tange à elaboração de seus planos curriculares, consideramos esta uma iniciativa, um pontapé inicial em Saquarema para que nos aproximemos de um eixo comum que sistematize os conteúdos da disciplina ao longo dos quatro anos do terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental. Estamos certos de que nossa presença na escola pode contribuir de maneira significativa para a formação básica do cidadão, que desenvolva a capacidade de aprender; que compreenda a fundamentação da sociedade em seus valores e aspectos tecnológicos, artísticos, políticos e sociais; e que adquira conhecimentos e habilidades, formando atitudes e valores (BRASIL, 1996).

Importantes iniciativas já foram apresentadas em outras localidades, tanto para a formulação de uma proposta curricular (MINAS GERAIS, 2005a; ARACAJU, 2007; SÃO PAULO, 2008) quanto para elaboração de materiais e livro didático de Educação Física (MINAS GERAIS, 2005b; CURITIBA, 2006; RIO DE JANEIRO, 2006).

A compreensão da cidadania como participação social e política; o posicionamento de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes situações sociais; o conhecimento de características fundamentais do Brasil nas dimensões sociais, materiais e culturais; a valorização da pluralidade sociocultural brasileira; a percepção enquanto integrante e agente transformador do ambiente; o desenvolvimento do conhecimento ajustado sobre si próprio e do sentimento de confiança; o conhecimento do próprio corpo e sua devida valorização; a utilização de diversas linguagens para expressão e comunicação; a sapiência para utilização de diferentes fontes de informação e recursos tecnológicos; e o questionamento à realidade configuram o escopo de objetivos para os alunos do Ensino Fundamental, objetivos estes orientados por três aspectos fundamentais, a saber: a) princípio da inclusão, realizado por meio da participação e reflexão e no qual se busca a superação do quadro histórico de seleção entre indivíduos aptos e inaptos para as práticas corporais; b) princípio da diversidade, aplicado na construção do processo de ensino aprendizagem e no qual se busca a legitimação de variadas possibilidades de aprendizagem nas dimensões afetivas, cognitivas, motoras e socioculturais dos alunos; c) categorias de conteúdos, apresentados sob as formas conceitual (fatos, conceitos e princípios), procedimentos (ligados ao fazer) e atitudinal (normas, valores e atitudes) (BRASIL, 1998).

Os objetivos acima explicitados e os aspectos fundamentais contidos nos PCNs estarão imersos no currículo escolar, onde nenhuma disciplina se legitima de maneira isolada, ou seja, cada matéria ou disciplina é considerada como um componente curricular ao passo que seu objeto está articulado aos diversos objetos dos demais componentes do currículo. É necessário que ocorra um

Tratamento articulado do conhecimento sistematizado nas diferentes áreas que permite[a] ao aluno constatar, interpretar, compreender e explicar a realidade social complexa, formulando uma síntese no seu pensamento à medida que vai se apropriando do conhecimento científico universal sistematizado pelas diferentes ciências ou áreas do conhecimento. (...)
A relação entre as matérias enquanto partes e o currículo enquanto todo é uma das referências do conceito de currículo ampliado que propomos. (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 28-29)

Diante desse panorama, fica explícita a importância de construção coletiva de projetos político-pedagógicos nas escolas, com a participação da comunidade escolar, alicerçados sobre uma base material que congregue o trato com o conhecimento, a organização escolar e a normatização escolar. Qualquer proposta curricular feita de forma separada está desafiada por consideráveis limites.

Para consubstanciar a proposta curricular abaixo apresentada, elencamos inicialmente quatro diferentes grupos, contendo cada um deles quatro propostas de conteúdos, que foram divididas entre os quatro anos dos terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental. Vilaça & Marques (2006) criticam o quadrado mágico formado por futsal, basquetebol, voleibol e handebol enquanto a hegemonia da educação física na escola atualmente vigente, explicitando duas características fundamentais que o desporto acarreta: a pronta e acrítica obediência e internalização de regras estabelecidas por entidades regulamentadoras; e a exclusão e discriminação diante dos aspectos relacionados ao talento e à competição exacerbada. Ademais, pautamo-nos pelo entendimento de que as atividades físicas tematizadas pela Educação Física—Jogo, Ginástica, Lutas, Dança, Capoeira—são mecanismos de linguagem, de comunicação, que carregam sentidos, significados e constituem um acervo, um patrimônio da humanidade. Podem ser observados, compreendidos, executados e aprimorados a partir de dimensões técnicas sem que sejam reduzidos à performance ou a uma abordagem tecnicista (SOARES, 2006). Os objetivos dos conteúdos na escola não devem se basear nos objetivos do esporte, da dança ou da luta profissionais; devem, portanto, oportunizar à totalidade dos estudantes o desenvolvimento de suas potencialidades e seu aperfeiçoamento enquanto seres humanos (BRASIL, 1998). Optamos, portanto, diversificar as propostas curriculares, caminhando ao encontro do que Marques (2009) defende

Não rebaixar a Educação Física ao desportivismo hegemônico que segrega, exclui e ressalta valores individualistas é um desafio, que deve ser complementado pela apresentação de inovações, incorporando elementos da cultura corporal como a Dança, o Folclore, a Capoeira, as Brincadeiras Populares e contextualizando nossas práticas à realidade cruel da sociedade em que vivemos, para que possamos questionar e acumular forças rumo à construção de novas relações. Para construir o diferente, a obtenção e a conquista de respeitabilidade e a participação discente são essenciais, que, somados ao prazer, à alegria, à satisfação, podem facilitar o alcance de objetivos que hoje nos aparentam ser árduos (p. 1)

Os grupos foram os seguintes: a) Jogos – Jogos Populares; Grandes Jogos; Jogos cooperativos; e Jogos de rebater e de tabuleiro; b) Esportes – Esportes coletivos com bola (duplicado); Esportes de aventura; Esportes aquáticos/de praia; c) Lutas, Atletismo e Ginásticas – Ginástica; Capoeira; Atletismo; e Lutas; d) Atividades rítmicas e expressivas e conhecimentos sobre o corpo – Corpo e Sociedade; Folcore; Dança, ritmo e movimento; e Expressão e Comunicação Corporal. Sugerimos também que o conjunto das aulas garanta as discussões sobre aspectos sociais, históricos e culturais de cada um dos conteúdos assim como outras atividades possam ser concomitantemente praticadas, como piques, alongamentos, utilização de filmes e até mesmo confecção coletiva dos materiais necessários a partir de recicláveis e/ou outras matérias-primas.

Em relação à avaliação, consideramos interessante que a mesma seja composta por instrumentos diversos, como trabalhos em grupo, provas, relatórios, fichas de observação etc., que se relacionem aos objetivos indicados, se distanciem de mecanismos de pressão ou castigo e possam fornecer um panorama sobre os caminhos da proposta curricular realizada, ou seja, que gere elementos para aprimorarmos nossas práticas pedagógicas e contribuir de maneira significativa para o crescimento dos estudantes. Darido & Rangel (2005) apresentam interessantes e breves questões sobre o processo de avaliação bem como os conteúdos sob as dimensões conceitual, atitudinal e procedimental. A própria LDB apresenta a necessidade de que a avaliação seja contínua e cumulativa, prevalecendo os aspectos qualitativos sobre os quantitativos e os resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais (BRASIL, 1996). Os estudantes devem estar cientes de como serão avaliados e podem participar da elaboração de alguns dos instrumentos, algo que pode fazer parte do próprio processo contínuo de diagnóstico da situação.



Proposta Curricular(2)


6º ano / Fase VI

Temas transversais prioritários: Ética e Meio Ambiente

6.1 → Jogos Populares

• Amarelinha

• Pique-bandeira

• Queimado

• Bola de gude

• Pipa

• Pião

• Boliche


6.2 → Esportes com bola

• Futsal

• Voleibol

• Basquetebol

• Handebol

• Futebol

• Rugby

• Corfebol

• Hóquei


6.3 → Ginástica

• Rolamentos

• Avião

• Vela

• Ponte

• Equilíbrio

• Pirâmide humana

• Paradas com apoio

• Estrela


6.4 → Expressão e Comunicação Corporal

• Reflexo

• Mímica

• Memória

• Criatividade

• Coordenação motora

• Elementos do circo e do teatro

• Raciocínio

• Lógica

• Yoga



7º ano / Fase VII


Temas transversais prioritários: Pluralidade Cultural e Orientação Sexual


7.1 → Grandes Jogos

• Totó Humano

• Jogo dos cones

• Arremessobol

• Goleirobol


7.2 → Esportes de aventura

• Skate

• Patins

• Ciclismo

• Surfe

• Escalada

• Parkour


7.3 → Atletismo

• Saltos

• Corridas de curta e longa distância

• Arremessos

• Corrida de orientação


7.4 → Folclore

• Danças e personagens folclóricos

• Carnaval

• Tradições



8º ano / Fase VIII


Tema transversal prioritário: Saúde


8.1 → Jogos de rebater e de tabuleiro

• Tênis

• Tênis de mesa

• Peteca

• Badminton

• Basebol

• Taco

• Xadrez

• Damas

• Peteleco


8.2 → Esportes com bola

• Futsal

• Voleibol

• Basquetebol

• Handebol

• Futebol

• Rugby

• Corfebol

• Hóquei


8.3 → Lutas

• Esgrima

• Judô

• Karatê

• Boxe

• Taekwondo


8.4 → Dança, ritmo e movimento

• Coreografias

• Alongamentos

• Samba

• Forró

• Frevo

• Bambolês

• Dança da laranja


9º ano / Fase VIII


Tema transversal prioritário: Trabalho e Consumo


9.1 → Jogos cooperativos

• Passeio do bambolê

• Nó humano

• Lápis na garrafa

• Engrenagem humana

• João confiança


9.2 → Esportes aquáticos/de praia

• Natação

• Pólo aquático

• Nado sincronizado

• Vela

• Canoagem

• Remo

• Surfe

• Mergulho

• Voleibol de praia

• Futebol de areia

• Handebol de praia


9.3 → Capoeira

• Movimentos de ataque e defesa

• Roda

• Ladainha

• Instrumentos

• Maculelê


9.4 → Corpo e Sociedade

• Competição X cooperação

• Inclusão X exclusão

• Gênero e sexualidade

• Massagem e relaxamento

• Sentidos do corpo

• Lazer


(1) Vale mencionar seu aspecto facultativo ao aluno que cumpra jornada de trabalho igual ou superior a seis horas; maior de trinta anos de idade; que estiver prestando serviço militar inicial ou que, em situação similar, estiver obrigado à prática da educação física; portador de afecções congênitas ou adquiridas, infecções, traumatismo ou outras condições mórbidas, determinando distúrbios agudos ou agudizados; que tenha prole.

(2) A proposta curricular é também direcionada para a modalidade de Ensino de Jovens e Adultos, ou seja, consideramos as fases equivalentes aos respectivos períodos do Ensino Fundamental. Em cada um dos períodos, estão contidas sugestões gerais de conteúdos, que podem ser divididos nos bimestres, de acordo com a realidade da turma. Os temas transversais devem ser trabalhados de maneira correlata aos conteúdos da disciplina, buscando um diálogo com as demais disciplinas para articulação de projetos e atividades conjuntas.

REFERÊNCIAS

ARACAJU. Proposta Curricular de Educação Física. Departamento de Educação Física. Aracaju: Secretaria de Estado da Educação: 2007.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei 9394, de 20 de dezembro de 1996.

______. Parâmetros Curriculares Nacionais. Terceiro e Quarto Ciclos do Ensino Fundamental. Educação Física. 1998a.

______. Parâmetros Curriculares Nacionais. Terceiro e Quarto Ciclos do Ensino Fundamental. Temas Transversais. 1998b.

COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do Ensino da Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.

CORREIA, Marcos Miranda. Trabalhando com jogos cooperativos. Campinas, SP: Papirus, 2006.

CURITIBA. Educação Física. 2 ed. Curitiba, Secretaria de Estado de Educação, 2006.

DARIDO, Suraya Cristina & RANGEL, Irene Conceição Andrade. Educação Física na Escola: implicações para a prática pedagógica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.

MARQUES, Gabriel Rodrigues Daumas. Educação Física na escola pública: entre os ditames da ordem vigente e as possibilidades de resistência. Lecturas, Buenos Aires, v. 14, n. 138, nov. 2009.

MINAS GERAIS. Proposta Curricular: Educação Física. Ensinos Fundamental e Médio. CBC. Minas Gerais: Secretaria de Estado de Educação, 2005a.

______. Roteiro de Atividades. Educação Física. Ensino Fundamental. Minas Gerais: Secretaria de Estado de Educação, 2005b.

RIO DE JANEIRO. Reorientação Curricular: Educação Física. Materiais didáticos. Rio de Janeiro: Secretaria de Estado de Educação, 2006.

SÃO PAULO. Proposta Curricular do Estado de São Paulo: Educação Física. São Paulo: Secretaria de Estado de Educação, 2008.

SOARES, Carmen Lúcia. Educação Física Escolar: conhecimento e especificidade. Revista Paulista de Ed. Física, supl. 2, p. 6-12, 1996.

VILAÇA, Murilo Mariano; MARQUES, Gabriel Rodrigues Daumas. Educação Física desportivista: considerações críticas à prática, predominantemente vigente, de Educação Física escolar. In: ENCONTRO FLUMINENSE DE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR, 10., 2006, Niterói. Lazer e Educação Física escolar. Anais... Niterói: Departamento de Educação Física e Desportos, Universidade Federal Fluminense, 2006.