domingo, 13 de fevereiro de 2011

Contrapondo a meritocracia do vestibular e a opressão do trote

Às vésperas de serem iniciados os anos e semestres letivos na Educação, alguns temas costumam reaparecer. No caso do Ensino Superior, assuntos como vestibular e trote ocupam páginas importantes dos noticiários e reportagens televisivas. Aproveito a ocasião para postar um texto publicado no dia 3 de março de 2008, no jornal da AdUFRJ (sindicato docente da UFRJ) quando eu era filiado por ser professor com contrato temporário no Colégio de Aplicação da UFRJ. O link para o jornal onde contém minha opinião é este: http://www.adufrj.org.br/site/exibicao_noticia.php?id=1310 

No ano seguinte, em 16 de fevereiro, tive a oportunidade de participar ao vivo do programa ATITUDE.COM para tratar do tema "Trote". Espero em breve conseguir passar para o youtube o vídeo com as discussões pautadas no referido programa.


Gabriel Rodrigues Daumas Marques*



Iniciamos mais um semestre letivo e dois temas muito recorrentes para os recém-ingressos no Ensino Superior merecem uma abordagem crítica para a contraposição à ordem vigente que também se reflete no sistema educacional: o vestibular e o trote.

Enquanto o Ministério da Educação segue na implementação efetiva da Reforma Universitária, sob as orientações e diretrizes dos organismos internacionais, o Governo Lula/PT divulga maciçamente seus ‘expressivos’ números de democratização da educação e nossa subserviente Reitoria ratifica a lógica meritocrática que pauta o acesso e a permanência na instituição, ao utilizar como divulgação de notícias do vestibular a foto de dois calouros felizes com os dizeres pintados em seus rostos.

Por que simbolizar o sorriso de 6.825 novos estudantes da UFRJ e não a frustração dos demais 40.178 candidatos? Ou ainda as dezenas de milhares de jovens que, dentro do atual modelo, jamais conseguirão pagar a taxa de R$ 95,00 de inscrição ou nem recebem as informações sobre a possibilidade de estudar em uma Universidade?(1)

Para uma parcela desse enorme quantitativo, o Governo Federal, demagogicamente, diz caminhar para a ‘democratização’: cria vagas públicas em instituições privadas através do Programa Universidade Para Todos, alegando ser a única chance para diversos jovens ingressarem no Ensino Superior. Além das duvidosas qualidades dos cursos, distanciados da excelência que muitas públicas ainda conseguem manter graças à sua aguerrida comunidade acadêmica, o empresariado educacional ‘pilantrópico’ agradece ao reabastecer sua lucratividade com a isenção de impostos e obter apoio ideológico na novela global de horário nobre. Na continuidade dos interesses para a manutenção do status quo, a criação de novas vagas se fortifica sob a forma da Educação à Distância. Em breve não será surpresa uma campanha da Globo para os ‘Amigos da Universidade’ em vez de concursos públicos para docentes e técnico-administrativos.

Retomando o tema ‘vestibular’, o discurso conservador defende que as oportunidades são iguais para todos, mas omite as imensas diferenças nas condições históricas, sociais e culturais existentes entre um que precisava de três conduções para estudar num Colégio Estadual da Baixada Fluminense (cujo déficit de professores da Secretaria Estadual ultrapassa os 20.000)(2) e outro que tinha transporte para levar e trazer de colégio particular e dinheiro para comprar livros. Como partem da premissa competitivista-individualista aflorada pela ideologia neoliberal, cabe-nos traçar a contraposição e demonstrar caminhos a partir do entendimento do ser humano enquanto sujeito histórico.

E os 6.825 calouros com isso?

Nesse momento em que recebemos novos estudantes, é imprescindível uma recepção para efetivar a integração e transformá-los em membros da comunidade acadêmica, comprometidos com a construção do conhecimento para o conjunto da sociedade. Porém, em diversos cursos da UFRJ, o primeiro contato da calourada nos fornece algumas reflexões.

A organização das atividades tem escapado do conjunto dos estudantes dos cursos, sendo apropriada por limitadas comissões de apenas um período, cujo maior enfoque é dado a brincadeiras lúdico-recreativas e ao tradicional ‘pedágio’, onde a calourada é pintada de tinta para pedir dinheiro nas ruas de diversos bairros. Além disso, o objetivo da arrecadação é a realização de um grande evento, popularmente conhecido como ‘Choppada’, que tem sido terceirizado a empresas especializadas, enquanto parte do lucro é dividida entre os integrantes das comissões.

A mídia apenas divulga as situações calamitosas, como mortes e atropelamentos, mas é nosso papel lembrar que, apesar da aparência de brincadeira, o trote oferece, através de vexame, risos às custas da desgraça alheia e em diversos casos se aproxima de práticas fascistas, ao passo que alguns calouros são intimados de variadas maneiras a acatar as ordens de seu ‘proprietário’ veterano e tantos outros calouros aguardam a hora de serem veteranos para efetuarem a ‘vingança’.

Creio ser tarefa dos movimentos organizados da comunidade acadêmica—ADUFRJ, SINTUFRJ, APG, DCE e CAs—iniciar de maneira sólida a discussão sobre uma nova concepção para a recepção de calouros, realizando palestras, debates, filmes, passeios pela instituição, aproximando pais e ex-alunos, dentre outras atividades criativas e criadoras para a manutenção da luta em defesa da educação pública e ampliando os horizontes para uma rica discussão sobre como funciona a sociedade.

Tal qual a questão da segurança, defendo que a UFRJ não pode se eximir de sua responsabilidade social apenas transferindo de local as conseqüências dos problemas provocados pelo consumo de álcool. Defendo que as festividades de integração possam ser realizadas nos espaços da Universidade, com abertura para a participação de diversos estudantes na organização através das entidades representativas, mantendo o famoso ‘pedágio’ para dialogar com a população sobre os problemas enfrentados por conta da constante privatização e utilizar a arrecadação para a confecção de jornais, adesivos, materiais de estudos para o próprio corpo discente.

Apesar da aparência da igualdade e de ingênuas brincadeiras, as lógicas meritocrática do vestibular e opressora do trote são reflexos da base econômica de dominação de poucos sobre muitos, cabendo aos setores combativos a construção e o fortalecimento da contra-hegemonia que supere as atuais condições.


*Professor substituto de Educação Física do CAp-UFRJ
Estudante de Pedagogia e representante discente no Consuni

(1) Dados disponíveis em www.ufrj.br
(2) Estimativas do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação

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