sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Não escolho, fui escolhido! Obrigado, C. M. Botafogo

Acabara de terminar a especialização e cursava ainda as disciplinas do Mestrado em Educação, aguardando para ser chamado para trabalhar no município de Rio das Ostras, quando apareceu o concurso para a rede municipal de Macaé, cidade vizinha. Mais distante ainda do Rio de Janeiro, salário então semelhante ao de Rio das Ostras e sem vontade para fazer nova prova, decidi próximo ao final do prazo me inscrever e garantir mais uma viagem com amigos para prestar o concurso. Um final de semana para socializar com os amigos em Rio das Ostras e papear sobre as questões do concurso, enquanto líamos por alto a Lei Orgânica de Macaé para garantir mais uns pontos importantes na prova. 

Chegou o domingo e parti para o Instituto Federal Fluminense - campus Macaé, onde fiz a prova. Mesmo sem grandes expectativas, após a prova, aguardava ansiosamente o gabarito, que surgiu trazendo um balde de água fria com apenas quatro questões corretas na parte de legislação. Apesar de terem chamado mais de uma centena de professor@s de Educação Física, eram vinte as vagas anunciadas no edital e a quantidade de erros me tiraria das primeiras colocações. Foi então que, após o gabarito inicial, veio outra notícia: todas as questões de legislação anuladas, pois a organizadora do concurso utilizada erroneamente a legislação mais antiga para elaborar as questões, colocando todos os candidatos com as dez questões de legislação corretas. Então eu voltava para as primeiras colocações, confirmando o nono lugar após a prova de títulos. 

Não demoraram para convocar. E colocaram a escolha justamente para um período em que eu participaria pela primeira vez como palestrante do Encontro Nacional de Estudantes de Educação Física, em Fortaleza. O jeito foi correr para o cartório e assinar a procuração, nomeando meu pai para a escolha da escola onde eu começaria a trabalhar. Já trabalhava às segundas e terças em Rio das Ostras e cursava disciplina do Mestrado às sextas, sobrando as quartas e quintas para a nova instituição. Toda a orientação passada para o meu pai, que, no momento da escolha, ficou sem saber o que fazer. É aí que entra a frase: NÃO ESCOLHO, FUI ESCOLHIDO. Minha colega de período Andrea chegou e apontou: "é pra escolher esse aqui!". A diretora Luiziana já estava por lá buscando convencer novos professores para trabalhar com ela na periferia de Macaé. Quando telefono para o meu pai, a pergunta: "Adivinha o nome do Colégio"? Sem ter a mínima ideia, pois muitas vezes as escolas recebem nomes de pessoas da cidade, a resposta: "Botafogo. Colégio Botafogo, no bairro Botafogo. Foi sua amiga que falou pra escolher lá". 

Ao entrar em exercício, no primeiro dia, calculei que poderia sair às 6h de Rio das Ostras para estar às 7:20 no novo local de trabalho. Ledo engano. Além de não conhecer os atalhos para chegar, o motorista se esqueceu de me avisar para descer no ponto correto; tive que ir até o ponto final e voltar, andar ainda mais e chegar ao Colégio após 9h da manhã, sendo recebido pela então coordenadora de turno Flávia, que garantiu rapidamente minhas seis turmas nas manhãs de quarta e quinta. Logo depois, chegou Douglas, informando que no dia seguinte seria o torneio de futsal e que eu apitaria as partidas com ele. Os informes sobre o Colégio e o bairro eram os mais assustadores, sobre tiroteio, facções, furtos, não poder entrar com camisa vermelha etc. E foi justamente no torneio, no meu primeiro contato com os estudantes, que não pude me intimidar, mostrando que, apesar de aparentar pouca idade e de ser baixinho, precisava me apresentar sem dar brecha para abusos e desrespeitos. Era o dia primeiro de agosto de 2010 e começava ali uma trajetória de dedicação e amor por um Colégio e um bairro onde fui recebido de braços abertos, que ficarão para sempre no coração e na memória deste jovem professor.




Foi desafiador e angustiante trabalhar em um colégio de periferia, situado na denominada CAPITAL NACIONAL DO PETRÓLEO, cujos gestores se preocupam com as imagens externamente, mas não atendem às necessidades básicas da população. Trabalhamos por diversos e longos meses com a quadra passando por obras fictícias, com poucos materiais e até mesmo sob o perigo de sermos atingidos por uma bala diante dos confrontos entre a polícia e o tráfico. Apenas vivenciando no cotidiano essas situações podemos nos aproximar dos empecilhos e dos problemas que nossos estudantes passam em seus trajetos para a casa ou para o trabalho. E a cada catarse de um deles tentar lembrar o porquê das revoltas, o porquê das desobediências, o porquê de não aceitar determinadas "imposições". É difícil, mas o processo não é impossível, e devemos nos colocar ao lado das reivindicações de uma comunidade que clama por saneamento básico, por cultura, por lazer, por Saúde, por Educação... 




Em 2011, conseguimos garantir sessenta gratuidades para que os estudantes vivenciassem o bondinho e conhecessem o Maracanã e os Morros da Urca e do Pão de Açúcar. Apesar de cientes com quatro meses de antecedência, os gestores da SEMED enrolaram o quanto puderam e só viabilizaram o transporte, após muita pressão de nossa parte, na véspera do evento. Foi uma oportunidade incrível e a alegria dos estudantes é indescritível, pois muitos não costumam sair nem do próprio bairro onde residem. Mesmo sem apoio material e com atrasos no transporte, levamos os jovens para os Jogos Estudantis das Escolas Municipais de Atletismo, obtendo medalhas, mas principalmente sendo espaços para vivenciarem a prática esportiva junto a jovens de diversas outras instituições educacionais. Os projetos de Judô e Dança do Colégio também propiciam oportunidades diferenciadas para os estudantes, mas infelizmente é sempre necessário batalhar pela permanência dos mesmos, pois a SEMED e a Prefeitura sempre querem tentar economizar os gastos com quem mais precisa...

Por fim, também foi nesta cidade que pude crescer na defesa da Educação Pública, atuando nas lutas em 2011 que barraram o ataque xenofóbico da SEMED aos professores C e conquistando um Plano de Carreira melhor que o anterior. Em 2012, participei pela primeira vez de uma chapa para a gestão do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação - Núcleo Macaé, obtendo a segunda colocação no pleito e três cadeiras para a gestão 2012-2015 e tornando-me portanto Secretário de Imprensa e Comunicação. Faço um balanço positivo das paralisações e passeatas de 2012 e 2013, do crescimento e da respeitabilidade que o SEPE Macaé tiveram, do retorno da sede, do aumento considerável de filiações e de ter sido o primeiro grupo a denunciar e enfrentar o suposto "Governo da mudança", que permanece garantindo os interesses de poucos na capital nacional do petróleo e mente como o governo anterior ao anunciar que a Educação é a maior riqueza. Infelizmente, com o Doutorado em curso e atuando como docente do IFF em Quissamã, paulatinamente me retirarei do SEPE Macaé, mas estarei por perto acompanhando e apoiando as lutas que hão de vir.




No dia 7 de outubro, solicitei minha exoneração como professor C - Educação Física, do quadro de servidores municipais de Macaé. Todavia, meus laços não serão rompidos, pois a vivência com os colegas lutadores e a alegria de ter deixado alguma marca nas mentes e corações de centenas de crianças e jovens que passaram pelas minhas turmas nesses quatro anos e três meses me deixarão com saudades e pronto a ajudar com o máximo das forças, a defender com unhas e dentes, as lutas que precisamos travar em defesa da Escola Pública. 



À Direção, aos colegas e ex-colegas, aos estudantes e ex-estudantes, pais e responsáveis do Colégio Municipal Botafogo, aos ativistas da rede municipal, aos companheiros do Movimento Sindicalismo Militante, obrigado por compartilharem comigo o conjunto desses momentos vividos na capital nacional do petróleo.

Saudações pedagógicas,
Gabriel Marques.

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