domingo, 1 de novembro de 2009

Grêmio Estudantil

Em setembro de 2007, uma amiga, estudante da Universidade Celso Lisboa, me entrevistou para um trabalho sobre Grêmio Estudantil. Trago abaixo um pouco da experiência que tive, participando entre 2000 e 2002 do Grêmio do Colégio Pedro II – Unidade Escolar Engenho Novo II, oportunidade que me propiciou imenso crescimento pessoal, político, acadêmico e intelectual. Ao lado, uma reportagem publicada pelo Jornal EXTRA, em 2001, durante uma das grandes greves dos funcionários públicos federais contra o Governo Fernando Henrique Cardoso/PSDB. Nessa época, fui membro do Comando de Greve do CPII.










1. Como surgiu a idéia ou o interesse de participar de um Grêmio?

Era estudante do Colégio Pedro II, quando tive contato com a entidade Grêmio. Ingressei na instituição em 1996, na 5ª série do Ensino Fundamental. Um ano depois, tivemos uma eleição para a disputa do Grêmio, que era organizada pelo Setor de Orientação Educacional (SOE) do Colégio. Duas meninas que eu conhecia eram de uma das chapas e acabei votando na mesma. A gestão deles acabou realizando umas festinhas e nada mais, com algum tempo depois minguando e desmobilizando, até ficarmos mais um tempo sem diretoria. Como já vinha de uma formação crítica, já que meu pai é professor da rede pública de ensino, conhecia a dinâmica de greves, passeatas e necessidade de organização para reivindicações. Em 2000, o SOE novamente, sob pressão de alguns estudantes, abriu processo eleitoral para a disputa do Grêmio da Unidade onde eu estudava. Foi aí que aconteceram algumas situações interessantes. Uma das chapas, bastante politizada, estava sendo organizada por um colega com quem havia estudado na 6ª série e um outro menino do turno da noite que eu não conhecia, além de outras pessoas bastante inteligentes e dedicadas no Colégio. Durante o recreio, sempre ia conversar com ele sobre as propostas. Não entrei na chapa, mas iria apoiar. O mais atípico foi a inscrição de 8 chapas para a disputa do pleito. A chapa deles (7 – Atitude) foi a vencedora, com cerca de 450 votos. Porém, como a chapa era bastante crítica, na hora da contagem de votos e assinaturas, houve uma diferença de cédulas em relação à quantidade de assinaturas, sendo a eleição anulada pelo SOE, que teve uma atuação bastante complicada. Logo numa atitude oportunista, puxaram novo processo eleitoral, aumentando a quantidade da diretoria de 11 pessoas com a entrada de 6 suplentes. Com isso, as 7 demais chapas se juntaram para poder vencer a Atitude e impossibilitar um Grêmio mais politizado, crítico e atuante. Como durante a campanha anterior, havia inclusive passado em sala, distribuído panfletos e ajudado bastante, me convidaram para entrar como suplente na chapa Atitude. Prontamente, aceitei, até mesmo porque, com 15 anos, achava o máximo passar em sala, conversar com a galera e “ser do Grêmio” seria popular e conhecido. Nossa chapa, mesmo com todas as dificuldades, venceu com quase 800 votos a pouco mais de 500, chegando ao final do ano 2000.

2- Quais foram as idéias propostas por sua chapa? Essas idéias foram realizadas?

Além das questões básicas de representação perante a instituição e externamente, propusemos diversos pontos para integrar o alunado, bem como realizar eventos que pudessem identificar o Grêmio enquanto entidade representativa. Conseguimos, arrecadando dinheiro através de pedágio durante as férias, construir uma rádio com sistema de som, que funcionava durante os horários do recreio; realizamos oito edições do Jornal, informativo e com textos críticos, poesias, além dos torpedos que faziam o maior sucesso entre os estudantes; apoiamos iniciativas de organização dos alunos, como o teatro que acontecia; mobilizamos para as lutas e atividades em defesa da manutenção do passe livre, direito que os empresários de ônibus constantemente ameaçam retirar. Acho que a única coisa que não cumprimos mesmo foi a realização de uma Festa, embora tenhamos feito dois Saraus Culturais. Porém, o ponto alto da gestão Atitude foi durante a Greve dos Servidores Públicos Federais em 2001. Foi ali que demos um salto de qualidade enorme, participando do Comando de Greve e realizando mobilizações e atividades nunca antes vistas e tocadas pelo Grêmio Estudantil do Colégio Pedro II – Engenho Novo. Estivemos presentes em todas as Assembléias do SINDSCOPE (Sindicato que representa os funcionários e professores do Colégio), participamos dos Atos Públicos, falamos em carro de som, bem como organizamos 10 Assembléias dos Estudantes antes, durante e depois da Greve para votarmos qual era nosso posicionamento em relação à greve. Fizemos uma Assembléia que reuniu quase 300 pessoas, em que alguns pais tiveram que se mobilizar para nos enfrentar e retirar o apoio do Grêmio à greve. Teve uma atividade que fui falar em defesa da greve que um pai queria me agredir e outras duas mães gritavam apontando na minha direção; comecei a chorar, fui beber água, mas voltei para terminar minha fala e ser aplaudido por diversas outras pessoas. Acho que conseguimos cumprir o nosso papel, que terminou no início de 2002, com a vitória da chapa que apoiamos para seguir o trabalho, fato que infelizmente não ocorreu.

3- O que você acha dos movimentos estudantis? Você já participou de algum? (Se sim) Isso trouxe alguma mudança para instituição?

Organização é algo fundamental em nossas vidas, principalmente no que tange ao coletivo. Em sala de aula, os estudantes se organizam para um trabalho em grupo, para ir às festas ou passeios... Porém, mais importante ainda é o fato de termos problemas em comum e juntarmos nossas forças para resolvê-los de maneira unificada e organizada. Aí entra a tarefa do Movimento Estudantil e de suas entidades, como Grêmios, no caso dos colégios, e Centros e Diretórios Acadêmicos, no caso das faculdades. Conforme as perguntas iniciais, comecei a participar em 2000, no Grêmio do CPII-EN e tive algum contato com os Grêmios do CEFET e do CPII-Tijuca, onde fiz cursos técnicos. Depois, entrei para o curso de Licenciatura em Educação Física na UFRJ, participando do Centro Acadêmico de Educação Física e Dança entre 2003 e 2007, bem como atuando no Movimento Estudantil de área, participando de diversos eventos regionais e nacionais da Executiva Nacional de Estudantes de Educação Física. Também no Movimento Estudantil Geral, participo da CONLUTE, que falarei mais adiante. Sim, várias mudanças foram geradas a partir dessa organização. Lembro que depois da Greve, no CPII-EN, conseguimos realizar uma manifestação com mais de 300 pessoas na porta do Colégio, aumentar a leitura e a participação dos estudantes etc. Na UFRJ, idem: não tínhamos nem uma sala para o Centro Acadêmico (CA), e hoje temos uma estrutura com freezer, dois micro-ondas, ar condicionado, aparelho de som; realizamos mais de 20 edições de O DARDO (jornalzinho com críticas, textos e informes); fizemos diversas festas e atividades culturais de integração dos estudantes. Enfim, há uma imagem equivocada e estereotipada sobre os estudantes de Educação Física, que pude contrapor logo ao ingressar no curso e perceber a grande capacidade e poder de mobilização que conseguimos ao longo desses anos.

4- Quando surgiram os movimentos estudantis, havia muito preconceito por parte da sociedade, hoje em dia, ainda existe esse tipo de preconceito?

Essa questão é intrigante. É preciso irmos a fundo no significado e na importância dos movimentos de resistência e de luta. Não que seja preconceito, mas temos que entender como os valores ideológicos aos quais estamos submetidos influenciam no pensamento hegemônico da sociedade. Vivenciamos a época de implementação do neoliberalismo, cujos valores ressaltam a individualidade, o egoísmo, o “olhar para o próprio umbigo”, “cada um por si e Deus por todos” etc. Quando surge algo que vai de encontro a esses princípios, necessariamente enfrenta esses valores, e mais ainda, luta contra a ordem social estabelecida. Ou seja, por conta de vivermos em uma sociedade de desigualdades sociais, com uma parcela significativa da sociedade sofrendo mazelas como fome, miséria e desemprego, e uma pequeníssima parcela se esbaldando em ouro e caviar, nitidamente temos um confronto de interesses totalmente antagônicos. Esses problemas não são individuais, mas de toda a estrutura da sociedade. O Movimento Estudantil, ao lutar por mais verbas para a educação (em detrimento de pagamento a empresários, latifundiários e banqueiros), por passe livre, por gratuidade do ensino etc., enfrenta esse modelo. Por conseguinte, como o pensamento vigente defende a manutenção do status quo e tem na mídia um grande alicerce, os movimentos sociais são atacados de diversas maneiras, para que não enxerguemos neles sua grande importância e necessidade para modificarmos a estrutura social vigente.

5- O que você acha dos movimentos estudantis da UNE?

A UNE... Ah, a UNE. Vamos lá: desde a década de 1990, essa entidade que existe há cerca de 70 anos, tocou lutas contra a Ditadura Militar, organizou os estudantes para campanhas como a dO Petróleo é Nosso, ficou clandestina durante alguns anos etc., vem sistematicamente se afastando do dia-a-dia dos estudantes. De uns tempos para cá, a UNE (bem como a União Estadual dos Estudantes, a Associação Muncipal dos Estudantes Secundaristas e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) se transformou em uma fábrica de carteirinhas (tentando inclusive monopolizar o direito da meia entrada) e só aparece nas escolas e faculdades do país durante época de eleições ou quando surge algum tipo de interesse a sua política. Durante o Governo fhc, mesmo distante dos estudantes, ainda tínhamos uma atuação de enfrentamento. Porém, a situação se modifica após a entrada de Lula/PT para governar o país. Apesar de toda a esperança depositada nesse Governo (inclusive fiz campanha em 2002, mesmo nunca sendo do PT ou de qualquer outro partido), diversos ataques neoliberais continuam sendo implementados. E a especificidade de Lula/PT é sua estreita ligação com os Movimentos Sociais, como a UNE, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o próprio MST. Essa ligação facilitou a realização desses ataques aos trabalhadores e à juventude de nosso país, pois a UNE e a CUT têm sido instrumentos de apoio do Governo inseridos na base dos Movimentos Sociais, freando as possíveis lutas que possam surgir e desencadear processos de mobilizações. O grupo que dirige a UNE conseguiu criar uma estrutura para se manter add eternum no poder da entidade, realizando fraudes, diminuindo as discussões etc. Com isso, a situação da UNE hoje é irreversível: ela se tornou uma entidade inclusive contra os estudantes. O Governo Lula tem implementado o processo de Reforma Universitária, com diversos pontos polêmicos. E a UNE, sem discutir com os estudantes, realizou caravanas para passar nas faculdades defendendo essa Reforma. Por isso, em 2004, aconteceu na Ilha do Fundão, um Encontro Nacional Contra a Reforma Universitária, com mais de 1500 estudantes de todo o país, onde foi criada a Coordenação Nacional de Luta dos Estudantes (CONLUTE), que surge enquanto alternativa à falência da UNE, já que a mesma não vem tocando mais as lutas, se tornou um aliado do Estado (do Governo e até da Rede Globo) e se encastelou em sua estrutura burocrática. Em diversas Universidades, que estão em processos de lutas, a UNE tem sido expulsa, como nas recentes ocupações em defesa da Educação Pública, que ocorreram na USP, UniCamp, UFRJ, UFJF, UFRGS etc. Recentemente, temos inclusive a luta na Faculdade Santo André, instituição particular, que conta com uma greve de estudantes e professores por conta da ação truculenta da Reitoria e da polícia perante manifestação pacífica contra o aumento de até 122% das mensalidades! A CONLUTE tem servido como um grande instrumento de luta, mas a necessidade de uma nova entidade nacional se faz presente para que possamos ter uma organicidade maior e uma atuação mais concreta.

6- Mudou algo na sua forma de pensar e ou de agir depois que você começou a participar de um grêmio?

Com certeza. Conforme havia comentado, aceitei entrar na chapa porque seria popular no Colégio. E a participação no Comando de Greve em 2001 foi um salto de qualidade. Principalmente consegui acumular discussões e experiências que me possibilitaram melhorar a leitura, a fala, a escrita e até mesmo reflexões e elaborações.

7- O grêmio trouxe mudanças para os alunos na instituição? Os motivou em algo, trouxe algum ideal?

Sim, na verdade o Grêmio são os alunos da instituição! Às vezes, utilizamos nomenclaturas que parece que nos são alheias. Mas o Grêmio é o conjunto dos estudantes de um colégio, bem como um Centro ou Diretório Acadêmico é o conjunto dos estudantes de uma faculdade. Temos sim a necessidade de uma diretoria para organizar os trabalhos, mas a entidade representa todos. O maior acúmulo que podemos considerar é o avanço do nível de consciência, que se dá através de organização da entidade e de atividades que possibilitem conquistas. Posso dizer que houve motivações, principalmente na defesa do ensino público, gratuito e de qualidade.

8- Depois dessa participação, surgiu algum interesse ou aumentou seu interesse em relação a política?

Aumentou meu interesse, tanto que antes de começar na UFRJ, já imaginava como organizaria o Centro Acadêmico lá na Educação Física, pois achava que não teria nada organizado. Fui surpreendido ao encontrar um CA recém-formado e ajudar a impulsionar diversas atividades e lutas, bem como conhecer e integrar uma família mesmo, família com quem pude construir forças para entender a sociedade em que vivemos, a importância de nos instrumentalizarmos para ir de encontro a essa difícil maré em que estamos e que é preciso organizarmos os trabalhadores e estudantes para modificar essa situação. E o interesse em relação à política não significa disputa por cargos, como vemos acontecer bastante nos ex-militantes, mas estar presente nos sindicatos, nos Grêmios, nos CAs e DAs para garantirmos a defesa de nossos direitos e transformarmos a sociedade desigual em que estamos.

9- Que recado você daria para os jovens que estão lutando por seus ideais através dos grêmios estudantis?

Para finalizar, deixo um recado para o conjunto dos estudantes. Conforme Los Hermanos, é preciso força para sonhar e perceber que a estrada vai além do que se vê. Nascemos numa sociedade que possui um modelo desigual, um modelo de exploração, que nos coloca diversos conceitos como naturais e verdades como universais. Mas é preciso e possível questionarmos e refletirmos sobre transformações. Participar dos Movimentos Sociais é uma tarefa indispensável para solidificarmos mudanças significativas para nossa estrutura. Por isso, finalizo esse recado com os dois seguintes poemas de Bertolt Brecht, teatrólogo e poeta alemão. Por isso, estudantes da Celso Lisboa, Força na Luta, pois a Luta é para Vencermos!


Há homens que lutam um dia, e são bons;
Há homens que lutam por um ano, e são melhores;
Há homens que lutam por vários anos, e são muito bons;
Há outros que lutam durante toda a vida, esses são imprescindíveis.




Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro
Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário
Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável
Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei
Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.

Um comentário:

  1. Gabriel, sua trajetória é linda! Muita luz no seu caminho, querido :)

    beijos, Isabel

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